Carreiras absorventes, horas extra, trabalho por turnos… são situações que obrigam a horários desregulados, correrias, stress e um grande sentimento de culpaem relação aos filhos. Não é fácil gerir tudo isto a bem de todos, mas é possível, com grande empenho e muita afetividade                                                                                                                                           Por Palmira Simões
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Carla, 37 anos, trabalha hoje na Direcção de Organização e Qualidade de uma grande empresa. Tem dois filhos, o Luís, de 11 anos, e a Maria, de 4. De manhã ambos ficam na escola e o Luís, depois das aulas, vai para casa da avó materna (que vive a 100 metros), onde fica até os pais chegarem. Depois de lanchar faz os trabalhos da escola e, no final, vê televisão. Já a Maria fica na escola até a empregada a ir buscar, por volta das 18:00 h, sendo ela quem lhe dá o banho e o jantar, pois com ela come tudo e não faz "ronha". Este é um dia típico destas duas crianças. E os pais, como fazem com os horários? “O nosso limite são as 20:30 h, que é a hora de saída da nossa empregada, sendo necessário muitas das vezes combinarmos quem está em casa a essa hora. Ou seja, tanto podemos chegar às 20:00 h como às 23:00 h, sendo agora esses picos mais raros, essencialmente derivado ao meu princípio de esgotamento por excesso de trabalho. O facto de ter agora empregada, que me afasta das lidas da casa, torna possível dar a atenção devida e exclusiva aos miúdos, dado que não preciso de me preocupar com jantares, banhos, arrumar a casa, etc. Obviamente que, e como eles sabem que quando chego sou deles, são ambos muito exigentes, com especial relevo a mais pequena, que não me larga até adormecer. Os fins de semana são também deles, o que faz com que tenhamos cuidado em programá-los mediante as suas necessidades, fazendo os seus pratos favoritos, tomando banhos em conjunto… Isto, em certa medida, é cansativo mas bastante compensador”, conta Carla.   Agora, o dia a dia desta família é mais tranquilo, mas nem sempre foi assim, de tal forma que Carla até ficou doente. “Esse facto fez com que eu tivesse plena consciência de que não sou ‘supermulher’ e que por isso tenho efetivamente de fazer algumas escolhas, estando a minha família em primeiro lugar.” E diferenças, entre o antes e o agora? “Em relação à Maria tem-me a cem por cento quando chego a casa, desde que nasceu. Evito cometer com ela os ‘erros’ que cometi com o Luís. Mas desde que tenho a minha empregada, noto grandes diferenças em relação a ele, dado que agora me é possível dar-lhe algum tempo ao final do dia com alguma qualidade, em vez de tentar conciliar as lidas da casa com a atenção a dar às crianças. Ele está muito mais próximo de nós, apesar da estar numa idade em que exige a sua privacidade a autonomia; ele próprio procura o nosso mimo quando chegamos a casa e conversa connosco sobre o seu dia, algo que não fazia na idade da Maria.” Carla é uma mulher como outra qualquer, que sempre viveu o drama de tentar conciliar uma  profissão exigente com o papel de mãe: “Nunca nos desligamos dos nossos filhos, ou seja, do seu desempenho escolar, das atividades de tempos livres, das suas doenças, vacinas, etc., o que nos obriga a ter uma grande ginástica mental no quotidiano. Hoje em dia, e dado que tenho muitos projetos e sou normalmente eu quem faz o seu planeamento, sou realista, e caso se verifiquem atrasos ou outras complicações faço questão de os resolver no tempo normal de trabalho.”     Apoios e educação   Carla conta com a ajuda da mãe e o apoio diário da empregada. Mas é um apoio dispendioso, um luxo, mesmo, que não é acessível a todas as mães que trabalham. “A realidade do nosso país é muito dura, no sentido de que as mães têm de trabalhar para ajudar nas despesas, não existindo trabalho a meio tempo, nem apoios ao nível de atividades de tempos livres para as crianças, e muito menos a possibilidade poder pagar a alguém que efetue a lida doméstica.   A educação dada pelos avós, pela empregada, pelos próprios pais... chocam-se ao ponto de se notar no comportamento dos filhos ou será que se complementam? A experiência de Carla é positiva, mas não totalmente. Dado que o filho mais velho esteve sempre muito próximo da avó, verifica hoje algumas sequelas dessa aproximação. “Dado que os avós são bastantes mais permissivos do que os pais, e dado que ele é uma criança hiperativa, com bastantes dificuldades ao nível de concentração, foi criando alguns maus hábitos em casa da minha mãe, que se sentem agora neste ano (6º ano), estando atualmente a fazer um programa junto de uma psicóloga – ‘Aprender a Aprender’ - com o objetivo de desenvolver uma metodologia no estudo e melhorar a sua capacidade de concentração a atenção. Este programa, e mediante os resultados do primeiro período, estão a evidenciar a necessidade de sermos nós os pais a acompanhar o plano de estudo do Luís, dado que verificamos que a avó é mais permissiva, sendo também por isso mais manipulada por ele. Isto é, mesmo tendo o apoio de pais, avós, tios, empregados, posso concluir que os pais são mesmo necessários junto dos filhos, pelo que temos de fazer todos um esforço e mesmo até ginástica no sentido de estarmos perto deles e de os acompanhar. Não é fácil ser mãe (e pai) nos dias de hoje; são-nos exigidas grandes responsabilidades a nível profissional e lamento efetivamente que seja difícil na nossa sociedade termos os apoios necessários que nos facilitem ser melhores pais. A nossa sociedade deve evoluir no sentido de permitir às mães (e pais) passarem mais tempo junto dos seus filhos, o que obriga ao desenvolvimento de outros regimes laborais e melhores condições económicas, pois a futura geração será o alicerce da nossa sociedade e face às circunstâncias estamos a desenvolver uma geração carente de afeto e atenção, liderada por pais cansados e tristes por não poderem dar mais tempo aos seus filhos”.      Crianças, o melhor da sociedade   O exemplo de Carla retrata a angústia em que um grande número de pais vive a que se veio juntar um outro problema de grande dimensão: a crise económica e a diminuição do rendimento das famílias. Pais que se sentem desamparados, sem qualquer tipo de apoios, e ao mesmo tempo pressionados: por um lado nas empresas onde trabalham, na generalidade cada vez mais inflexíveis com os horários dos seus trabalhadores, por outro no seio da própria família, que reclama com toda a legitimidade por mais presença e atenção.   Na ótica de Luís Rodrigues, sociólogo, “a sociedade tem de dizer a si própria que o melhor dela são as crianças e a família, pelo que é preciso apostar nisso de modo a mãe poder dar ‘seio e útero’ aos ses filhos até à idade em que eles necessitarem (pelo menos até um ano de idade)”. Mas como, se não vemos nada a avançar nos aspetos sociais, muito pelo contrário, e a vida parece estar cada vez mais focalizada no dinheiro? Luís Rodrigues é peremtório: “Tem de haver mais flexibilidade nos horários dos infantários e nas empresas (com mais teletrabalho, mais part-times); deve dar-se ainda mais proteção à mãe e condições aos trabalhadores para que possam tirar licenças sem vencimento, se assim o desejarem, sem perderem o emprego; as empresas têm de ser mais cidadãs e apostar na descentralização, que permita também uma maior proximidade entre o local de trabalho e a habitação; e há que falar no Estado, que deve cuidar mais da sua prole, nomeadamente das crianças e jovens, que são afinal os adultos de amanhã. Embora as coisas pareçam não estar a avançar neste sentido, temos de ser positivos. Mais tarde ou mais cedo vai perceber-se que uma economia social também é lucrativa e gera emprego, o que é muito importante, e nessa altura as coisas mudam. Basta querer.”   Por enquanto, esta sociedade “ideal” está apenas nos nossos sonhos. A batalha que os pais de hoje enfrentam na realidade do dia a dia é outra: pais a viver stressados, angustiados e com sentimentos de culpa. Os filhos estão sempre no coração dos seus progenitores e é legítimo e saudável que estes se preocupem com eles. E Luís Rodrigues acrescenta: “Os pais não devem ter medo de dar afeto a dobrar ou a triplicar. O tempo que se está com a crianças – por pouco que seja - deve ser pleno de afetividade. Elas precisam de atenção e de muito amor!” Se vive esta situação, vai ver que depois tudo corre melhor. Contrariando a expressão “Money makes de world go ‘round” (O dinheiro faz mover o mundo), afinal, parece que é o amor que tem esse poder… Pense nisto.
  Filhos do divórcio   O aumento de casamentos desfeitos veio agravar o problema da falta de tempo para os filhos. Estes são entregues geralmente à mãe, que tem pela frente uma luta diária pela sobrevivência ainda mais feroz, carregando nos ombros, agora sozinha, o grande peso das responsabilidades. Mas o progenitor ausente pode e deve continuar presente na vida diária dos seus filhos, dando-lhes afeto e educação, pois não é só a pensão de alimentos que é importante. Mais uma vez vale a pena lembrar que a zanga dos pais não pode interferir negativamente nos laços que os unem aos filhos, nem estes devem ser usados como arma de arremesso para castigar o progenitor eventualmente ‘culpado’ da situação. Os adultos devem ser responsáveis, focalizando mais a sua atenção na vida das crianças e menos no seu umbigo.
  O que podem estes pais fazer  “Importa enfatizar a importância dos momentos passados em família. Por mais cansados que se esteja após um dia de trabalho, é fundamental termos em consideração que as crianças precisam de ver o amor renovado diariamente”, reforça a terapeuta familiar Cláudia Morais. E acrescenta: “Acredito que os pais, por mais que trabalhem, têm o poder de transmitir aos seus filhos o quanto estes são importantes. Se o trabalho é essencial à sobrevivência da família, os momentos de lazer e brincadeira são essenciais à sobrevivência dos laços familiares. Assim, é possível compensar as crianças através de um mimo na hora de deitar, brincadeiras ao fim-de-semana e conversas atentas sobre o seu dia na escola”.

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publicado por salinhadossonhos às 01:32