Elas chegaram à dois anos junto de mim.
Elas pensavam que o mundo cabia inteiro nas paredes da sua casa, e que quem lá vivia eram os seus únicos habitantes, mas perceberam que não é verdade.
Elas tinham poucas palavras para nomear o que as rodeava. Ajudei-as a encontrar as que faltavam.
Elas viram o mundo com as cores que eu pus em cada som e em cada gesto.
Elas olharam para mim, aprenderam o meu nome, chamavam-me por tudo e por nada, geralmente por nada. Que é sempre tudo.
Mostrei-lhes como se vive com os outros, como se aceita quem não é igual a nós, tal como se aceita um desenho pintado com todas as cores do arco-íris.
Tive de lhes dizer muitas vezes “ não”, sem me deixar levar pelo seu beicinho irresistível.
Mas também lhes disse muitas vezes “sim” e senti que era para mim que elas sorriam e estendiam as mãos.
Levei-as a passear, a conhecer o mundo, assoei narizes cem vezes ao dia, fi-las aprender a gostar de sopa, contei-lhes histórias e ensinei-lhes que todas as meninas têm direito a ser princesas, e todos os meninos têm direito a ser Homem aranha. ( e vice versa)
Foram naquele pequeno universo diário, os filhos que tenho em casa, ou na escola.
E por vezes senti uns ligeiros remorsos por ter para elas o tempo que não tenho para os meus.
Elas acreditaram em mim como acreditam nas fadas e no Pai Natal.
Elas fizeram-me perder a paciência que sempre julguei inesgotável. Porque elas são crianças. E porque eu sou humana.
Resumindo: elas vão fazer-me feliz para o resto da minha vida
( adaptado de um texto de Alice Vieira)