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Terça-feira, 24 / 02 / 15

Divórcio não, obrigado!

Escrito por Eduardo Sá Quinta, 03 Julho 2014 

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 A separação exige sempre melhores pais. São muitos os momentos de mágoa. Esperar que seja um tribunal a mediar cada um desses momentos é judicializar a parentalidade.

 

1. Tenho dito que talvez haja três tipos de relações de casal. As mais frequentes serão amizades coloridas. As outras, ‘contas de poupança-reforma’. E haverá, ainda, uma esmagadora minoria de uniões de facto (por dentro) que, entre todas, serão aquelas que melhor se aproximam da ideia de casamento.

Se a complexidade de uma relação amorosa se torna, tantas vezes, tão difícil de gerir, os descuidos e os desamparos cumulativos que pode gerar tornam-na dolorosa. Será em consequência dessas dores (que se enovelam) que as pessoas se vão afastando, por dentro, devagarinho. E quando uma delas o assume (em função de um período de sofrimento pessoal que a interpela, ou em consequência da comparação entre os pequenos gestos que alguém lhe disponibiliza no local de trabalho, por exemplo, e as rotinas entediantes do casamento) não é justo que a outra se declare, diante de um apelo à verdade, ‘apanhada de surpresa’. Ou que eleja um vilão que, supostamente, tenha inquinado um grande amor. Na verdade, todos os divórcios se dão por mútuo consentimento.

São as pessoas que mais contribuem para um divórcio que mais se foram sentindo credoras do consentimento a dar num acordo de divórcio (sendo as pensões de alimentos ou as contrapartidas patrimoniais o ‘dote de alforria’ com que se negociava a assinatura do divórcio e, pior, a partilha das responsabilidades parentais sobre os filhos desse casal).

Aliás, era absurdo, como foi acontecendo nalgumas circunstâncias, que um dos elementos do casal, que pretendia divorciar-se, tivesse de fazer prova da culpa do outro como se só os factos irrefutáveis parecessem prevalecer sobre os vínculos amorosos que terão definhado e morrido numa relação.

2. Tudo seria mais simples se as pessoas, ao afastarem-se por dentro, pudessem mobilizar a maturidade que as desligasse por fora. Mas porque foram acumulando ressentimentos, como se foram descuidando aos mais diversos níveis e como se foram enredando em compromissos intermináveis (que, ao mesmo tempo, as prendem e as desligam), muitas separações transformam-se em divórcios que, por mais que pareçam por comum acordo, não deixam de ser mais ou menos litigiosos. Mais, ainda, quando se partilham bens e se divide a parentalidade em relação a algumas crianças.

3. Dos 47857 casamentos que, em 2006, se deram em Portugal, 20,6 por cento correspondem a pessoas divorciadas que voltaram a casar, embora no mesmo ano se tenham decretado 23935 divórcios (6 por cento dos quais litigiosos quando, em 1980, a percentagem de litigiosidade foi de 38 por cento). Haverá, portanto, cada vez mais divórcios embora isso talvez não corresponda ao modo como o casamento parece estar a cair em descrédito.

4. Será razoável que as pessoas se divorciem? É. Porquê? Porque entre estarem divorciadas por dentro e casadas por fora, e divorciadas por fora e ligadas por dentro, a segunda hipótese as protegerá mais a elas e aos seus filhos. Poder-se-á afirmar – como dizem alguns – que uma resposta judicial mais ágil e mais simples poderá ser benevolente para com os impulsos para o divórcio de muitas pessoas? Não. Porque se um casal privilegia o divórcio impulsivo a tudo o que, supostamente, o liga talvez nunca tenha estado casado por dentro, por mais que do ponto de vista do direito não seja assim.

É sensato, ainda, que as compensações financeiras de um dos membros do casal em relação ao outro sejam temporizadas e justas? Claro. Não será razoável que as pensões de alimentos ao ex-cônjugue se eternizem e, muito menos, que algumas representem formas de usufruir de ganhos que mais parecem modos de exploração (a pretexto das crianças) por parte de um dos pais em relação ao outro. Se os pais assumem a parentalidade devem reunir recursos para a viabilizarem. Já quando violam as responsabilidades judiciais que, livremente, assumem (seja em relação às prestações monetárias como aos compromissos para com os seus filhos) e, depois, reclamam os seus direitos de pais, devem merecer penalizações (que, finalmente, parecem estar a ser ponderadas, contrariando a total impunidade com que muitos pais foram injuriando os direitos dos seus filhos e a ideia de um bem-comum, condensado na lei).

5. A separação exige sempre melhores pais. Porque introduz níveis de complexidade crescente numa relação e porque são muitos os momentos escorregadios em que todos se podem magoar. Esperar que seja um tribunal a mediar cada um desses momentos é judicializar a prentalidade. Isto é, assumir que só se consegue ser pai ou mãe sob a tutela de um juiz, o que devia merecer, de imediato, que os filhos desse casal fossem considerados em perigo. Perigo maior, aliás, que se dá quando (em vez de se separarem) se divorciam por dentro e por fora. Nessas circunstâncias, um divórcio faz mal, de forma irreparável, a uma criança. Não pela facilidade com que os pais se divorciam. Mas pela falta de qualidades para a parentalidade que um divórcio judicial, simplesmente, aviva. Daí que, ponderando sobre esse exemplo, me pareça que devíamos dizer: “Divórcio não! Obrigado…”.

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7203-divorcio-nao-obrigado

publicado por salinhadossonhos às 17:29
Terça-feira, 17 / 02 / 15

A poção mágica

Há crianças verdadeiramente hiperativas, que são um tornado numa sala de aulas, mas que são raríssimas.

 

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As crianças saudáveis são, por inerência, distraídas. Ou “cabeças no ar”, como preferirem. Porque são sensíveis e imaginativas, e são atentas a todos os pormenores apelativos à sua volta. E reagem a eles, claro, em função da competitividade com que se colocam diante si. E sempre que alguém as entedia (um bocadinho, que seja) refugiam-se num conjunto de histórias, que elas mesmas produzem, como se tivessem um quarto de brinquedos na cabeça, a que os pais chamam... “macaquinhos no sótão”. Mas as crianças (todas as crianças!) são, invariavelmente, atentas sempre que alguém – pela forma simples e brilhante como lhes fala ou pelo modo apaixonado e divertido com que as solicita – faz com que os sentidos convirjam uns para os outros e pareçam (todos eles) consensuais, daí nascendo a atenção. É difícil estar-se atento! Depende do jeitinho especial de quem cativa a atenção e de se ter a cabeça mais ou menos arejada para sentir com o outro, imaginar com ele e discorrer com a sua ajuda. E, já agora, é difícil cativar a atenção, sobretudo de muitas crianças, ao mesmo tempo: é preciso que se seja sábio e singular e vivo e que se tenha muito de contador de histórias, de preferência.

Há, no entanto, dois tipos de crianças um bocadinho de candeias às avessas com a atenção. Aquelas que, seja qual for o professor que lhes fale, parecem sempre atentas, e aquelas que são compulsivamente desatentas. As primeiras, parecendo atentas, estão “em sentido”, e em vez de dominarem a atenção são dominadas pelo medo que as pessoas lhe provocam. As segundas, fugindo da atenção, escapam à frente da angústia que se atropela dentro de si. Umas e outras são, portanto, um bocadinho doentes. Se bem que as segundas ocupem mais espaço numa sala de aula, porque são crianças tão consumidas por um sofrimento que as corrói que resvalam para uma euforia estranha que parece levá-las a não sentir, a não imaginar e a não discorrer mas, unicamente, a agir (como se parar fosse, para elas, realmente, morrer). Tomando em consideração todas as crianças, a percentagem das crianças verdadeiramente hiperativas (que, para não definharem de dor, vivem num agir compulsivo) é, verdadeiramente, insignificante. Faz, felizmente, parte das doenças psicológicas muito raras das crianças!

Todas as outras crianças são tão aptas e tão ciosas da sua atenção, são tão vivas e tão interpelantes, são tão engenhosas e tão divertidas, têm tamanhas “línguas de perguntador”, são tão íntimas do “bicho carpinteiro” e falam, com tão grande mestria, “pelos cotovelos”, que a atenção depende muito d’ O Momento... Até porque também têm dias assim-assim ou longos períodos em que a vida delas parece “uma porcaria”. O que, tudo junto, as leva, volta não volta, até à “lua”. Mas se as crianças são mais ou menos assim, o que se passa, então, para que haja por aí uma tão estranha e silenciosa epidemia atípica de défices de atenção? É tentador que, sempre que uma criança parece ter dificuldades, que haja quem sugira que sofre dum qualquer “defeito de fabrico”. Ou que, sempre que ela parece não aprender, a culpa seja, invariavelmente, sua! Se, por agora, a responsabilidade da distração das crianças vai sendo dos “défices de atenção”, há alguns anos, sofriam, quase todas, de dislexia. E, há mais tempo atrás, eram, simplesmente, “burras”. Com a diferença de, atualmente, em relação à “epidemia atípica de défices de atenção”, se vá banalizando a prescrição de uma substância da família das anfetaminas.

Enquanto se insiste nos défices de atenção que elas parecem ter, não se questionam os conhecimentos e os recursos pedagógicos de alguns professores. Isto é: entre discernir acerca dos défices dum professor para cativar a atenção dum conjunto de crianças ou concluir-se, apressadamente, que elas têm um défice de atenção, o resultado fica, quase sempre, em 1 a 0 a favor dos defeitos das crianças. E é aqui que surge um ambiente quase perverso em torno disto tudo... Sim, há crianças verdadeiramente hiperativas, que são um tornado numa sala de aulas, mas que são raríssimas! Isto é: não há tantas crianças assim tão doentes. E sim, há milhares de crianças alegadamente hiperativas mas que são saudáveis, saudáveis, saudáveis (algumas que são, simplesmente vivas; outras, que estão, sobretudo, preocupadas; outras que acham o professor um bocadinho chato; etc.). E, sim, no meio desse mar de equívocos, é verdade que há muitos professores empenhados que, diante duma criança verdadeiramente hiperativa (raríssima, portanto) - e sem que disponham de formação para o efeito e à margem de qualquer apoio especializado por parte da escola (que, nalgumas circunstâncias, têm um psicólogo para cada 3 000 crianças e que, noutras, dispondo dele, não têm da sua parte as respostas à altura que serão exigíveis) - são engolidos pelo vendaval de angústia que ela traz a um grupo de meninos. E sim, finalmente, é verdade que há professores que só toleram crianças sossegadinhas e caladas (assustadas, portanto) e que, diante dum conjunto de dificuldades que elas lhe colocam, se refugiam, invariavelmente, nos défices de atenção que elas terão (havendo alguns que recomendam a tal anfetamina; outros, mais comedidos, que se ficam por sugerir um “cheirinho” de anfetaminas;  e, outros, ainda, que, a par de refugiarem qualquer dificuldade nesse diagnóstico, aconselham um ou outro médico que, seguramente, as medica). Mas serão os professores batoteiros e os professores distraídos (uma imensa minoria, seguramente) amigos da imensa maioria de professores atentos, generosos e empenhados que deviam ser, sem demagogia, equiparados, mais que ninguém, à categoria de heróis nacionais? Obviamente, não!

Por outro lado, duma forma manhosa, o “sistema educativo” vai pactuando, pelo silêncio, com esta onda de défices de atenção. Não se questionam programas, não se discute o modo como a escola funciona quase em contra-ciclo diante da “sociedade da informação”, não se interpela a insensatez de haver turmas da manhã e turmas da tarde no funcionamento diário duma escola (como se aprender num e noutro períodos fosse a mesma coisa!), não se discute o absurdo de existir escola demais na vida das crianças (como se a escola fosse mais indispensável que a família e mais importante que o brincar), nem se pede contas a quem aumenta o número de meninos nas turmas nem poupa no tempo dos recreios (com a desculpa de não existirem verbas para o pessoal auxiliar). Tudo “empurrõezinhos” amigos dos défices de atenção, portanto. Por outras palavras, se há uma entidade que ganha em distração a todos os outros, o Ministério da Educação, ao, longo dos anos, não tem tido rival! Mas quem, neste contexto todo, é mais distraído: quem se distrai de vez em quando ou quem, devendo estar atento, “assobia para o ar”, fazendo de distraído? (É, aliás, delicioso ver como o Ministério da Educação, ao mesmo tempo que privilegia a escola exclusiva, amiga dos rankings, defende a escola inclusiva, aberta a todos, por mais que, sem nunca o assumir, sugere que, diante das necessidades educativas especiais de cada criança, um professor se... amanhe.)

E será que o ambiente em casa é sempre acolhedor e amigável para com a atenção? Será que pais que são um belo exemplo de défices de atenção um para o outro, dos dois em relação a uma criança e de todos em relação à vida são um bom exemplo de atenção para uma criança? Por exemplo: será que todas crianças têm tanto tempo livre e tanto tempo de brincar e de histórias como só as crianças atentas conseguem ter? Será que a vida familiar das crianças não acaba por ser, avós à parte, muitas vezes, dum stresse permanente, com agendas diárias que as faz ter mais tempo de trabalho que os próprios pais e que, por isso, torna a agitação a melhor amiga da distração? E será que os pais são, como deviam ser, uma entidade reguladora para os trabalhos de casa que, regra geral, não adiantam quase nada a quem quer aprender e que magoam, vezes sem conta, a atenção? E será que as crianças correm, pulam e fazem asneiras como só as crianças atentas conseguem engendrar, fazendo do corpo o melhor cúmplice da atenção? E aquilo que os pais dizem dos professores, à mesa do jantar, é um bom motivo para que as crianças os admirem e respeitem e acarinhem como uma luz preciosa que as encaminha pelos desafios da atenção? Mas, sendo assim, quem tem o exclusivo dos défices de atenção? Serão só as crianças? Não é verdade que são sempre precisas duas pessoas para que haja um distraído?

E não será que, quando somos, invariavelmente, acolhedores para esse presumível diagnóstico, não lendo a realidade das crianças duma forma atenta, integrada, sintética e compreensiva não estaremos todos a sofrer, igualmente, de défices de atenção? Precisarão, então, técnicos, professores e pais de uma leve dosagem desse familiar das anfetaminas, durante o período letivo, e de segunda a sexta-feira, como se faz com inúmeras crianças? E, por fim, se estamos diante duma solução mágica para os défices de atenção não seria de a sugerirmos, para não ir mais longe, para os assessores jurídicos do Governo (evitando mais conflitos com o Tribunal Constitucional) ou para quem lê e planeia a economia (poupando crises que os terão apanhado, a todos, distraídos)? Será que, afinal, vivemos todos numa aldeia gaulesa e que – por distração, certamente – sem poção mágica... não vamos lá? É claro que é fácil ter défices de atenção. Vimos alguns dos motivos que a ajudam. Mas considerando esta “poção mágica” que parece resolver tudo e mais alguma coisa no comportamento das crianças, não será hora de deixar de insinuar que os gauleses deviam ser desclassificados num controlo anti-doping, por mais que possamos subscrever os seus ímpetos nacionalistas contra os romanos? E, em vez de nos preocuparmos a sinalizar a mãe do Obelix, junto duma comissão de proteção de crianças em perigo (porque se ela não fosse distraída ele não teria caído na poção...) não devíamos recomendar que as mães negligentes ganhavam se fossem devolvidas ao “bom caminho” com umas gotinhas... de poção? Quer, então, isso dizer que termos a cabeça na lua e os pés na terra deixou de ser um “equipamento premium” que torna cada um de nós mais sensato e mais humilde porque, afinal, nunca se chega à atenção sem a dúvida e sem a ajuda das pessoas?

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7227-a-pocao-magica

publicado por salinhadossonhos às 17:31
Terça-feira, 10 / 02 / 15

Falta muito p’ra chegar?...

Escrito por Eduardo Sá Quinta, 16 Outubro 2014

 A escola faz mal às crianças quando permite que os jardins de infância sejam pré-escola. Crónica de Eduardo Sá.

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A escola faz mal às crianças... se ela for uma “linha de montagem” de “produtos normalizados”; à margem da imaginação, da criatividade e, sobretudo, da singularidade.

A escola faz mal às crianças quando se chama a um berçário uma... escolinha e se imagina que a “vida escolar” comece aí. E se permite (sem nada se fazer para o alterar) que, desde muito cedo, haja crianças confiadas a berçários. Por causa dos técnicos que lá estão? De modo algum! Porque as crianças são obrigadas a ter ritmos e rotinas muito pouco personalizados. Se ligar a biologia nervosa, as incidências da sua história de vida e os ritmos dos pais já não é fácil, imaginando que eles sejam capazes de se descentrar de si próprios, ligar tudo isto com uma uniformidade dos ritmos da maioria dos berçários (com tempos idênticos para as crianças se alimentarem, para dormirem ou para serem estimulados) faz mal aos bebés. Num país amigo das crianças, e considerando o bem precioso que representam, só se devia entrar numa... escolinha dos dois para os três anos. Até lá, seja a mãe ou o pai − com possibilidade de terem licenças de parentalidade mais alargadas ou trabalho em tempo parcial − sejam os avós (mesmo que, para tanto, sejam apoiados pela segurança social), seja uma ama (de preferência, em casa dos pais), tudo é melhor para a saúde do bebé. Passar dias e dias deitado, olhando para o ar − na verdade, olhando para o mesmo mobile que dá voltas e voltas diante do seu nariz − torna cada bebé um bocadinho mais estúpido do que quando lá entrou.

A escola faz mal às crianças quando permite que se distinga, todos os dias, a educação infantil do ensino obrigatório, e se permite que os jardins de infância não sejam, tendencialmemte, gratuitos e para todos os meninos. Mas faz, ainda, pior quando permite que haja infantários da rede pública, que funcionem, há anos a fio, em contentores, e infantários, muito exclusivos, onde estão oito, dez ou 12 crianças, no total, e onde os pais, privando-os do bem precioso da vida (na sua generosidade inclusiva), pagam 1500, 2000 e 2500€ por mês por uma exclusividade que debilita o crescimento e as crianças.

A escola faz mal às crianças quando permite que os jardins de infância sejam pré-escola. É por isso que eu acho que devia ser proibido ensinar a ler e a escrever no jardim de infância! Mas, então, para que é que serve um jardim de infância? Serve para as crianças se socializarem. E serve para alimentarem a surpresa de transformar uma educadora numa... quase-mãe.

Serve para alimentar a educação física como se fosse uma escadinha: indo da tonicidade ao equilíbrio, e daí ao movimento, à coordenação motora, ao ritmo, à expressividade, ao brincar, ao jogo e, naturalmente, à relação. Tudo isso ajuda a perceber que todos os meninos ensinados a domesticar o corpo não sabem pensar e vivem fugindo... da vida.

O jardim de infância serve, também − tenho-o dito − para a educação visual. Ajuda a distinguir olhar e ver; ajuda a ir do garatujo ao rabisco e do rabisco ao traço; ajuda a ir do corpo (com que se desenha e com que se pinta) ao pensamento (e vice-versa); ajuda a ir do sentir ao representar; e ajuda a criar imagens e símbolos (para que sejam desconstruídos, a seguir). O jardim de infância ajuda a perceber que quem não sabe desenhar não sabe escrever!

O jardim de infância serve, também, para a educação musical. Para ir do som à harmonia dos sons e, com isso, para ir da sensibilidade à expressão musical e dela aos sons com forma (que são as letras) e aos sons com legendas que são as palavras. A música é a única Torre de Babel do mundo: sem a música as crianças tornam-se menos aptas para a língua materna. E sem língua materna, versátil e expressiva, nunca organizam um ritmo do género “sente, discorre e faz” sem o qual o pensamento deixa de pensar sobre si e sobre o mundo. E adoece!

O jardim de infância serve para brincar. Porque quem não brinca fica fechado (e desconfiado) no seu mundo e, em vez de ficar amigo da diferença (sem a qual nunca se cresce) fica xenófobo e arrogante, mais agarrado ao passado do que amigo do futuro.

O jardim de infância serve para escutar histórias e para as reproduzir; e para as reconstruir; e para as dramatizar; e para fazer com que elas ganhem vida em nós e, assim, servem para ir do drama à sátira ou à comédia mas, sobretudo, servem para ir da intriga à surpresa, à empatia, à comunhão e ao entusiasmo.

O jardim de infância serve, ainda, para conversar. É por isso que as crianças − todas as crianças (!) − para serem saudáveis, têm de ser ruidosas na sala de aula e têm, de fazer uma algazarra, no recreio. E têm de chocar umas com as outras, têm de se sujar, e de transpirar, com abundância. Escolas com poucos recreios ou com maus recreios são escolas com necessidades educativas especiais e são escolas amigas do insucesso escolar!!! Do mesmo modo, todas as escolas, seja qual for o grau de ensino, que não tenham um quadro de honra para os alunos faladores, não são uma escola: são um lugar onde se transformam crianças saudáveis em pessoas sonsas e insossas.

Estamos a passar, como reparam, do jardim de infância ao ensino básico... Mas se é básico é porque com ele se aprofundam as bases do conhecimento. Então, se olharmos com atenção, temos razão para dizer que...

A escola faz mal às crianças quando as deixa ter aulas ou de manhã ou de tarde. Todos somos mais inteligentes de manhã. Porque somos animais sensíveis à luz... É por isso que as aulas de tarde incentivam o insucesso escolar. E faz mal quando se deixa que o dia escolar comece com a educação física, por exemplo, e termine, já com os crianças fisicamente cansadas, com o português. Isto é: uma parte da distração dos alunos resulta da forma, muitas vezes sem sentido, como se organiza um dia de aulas.

A escola faz mal às crianças quando elas estão tempo de mais na escola, com aulas expositivas que nunca mais acabam, e com recreios “supersónicos” de dez minutos. Mais tempo de escola tem-se traduzido em melhores resultados escolares? Não!!! Veja-se, por exemplo, os mais diversos exames nacionais. Mas, então, são os alunos que não prestam, são os professores que os atropelam, são os pais que os infernizam ou é o sistema que ignora a sua sabedoria, que insiste em não perceber como eles pensam e insiste em premiar, unicamente, aqueles que reproduzem e que repetem (isto é, os “macacos de imitação”)? Menos escola será pior escola? Não! Eu não acho que as crianças não devam trabalhar! Acho, isso sim, que brincar rima com aprender e não é por se trabalhar mais horas que se aprende melhor. Aliás: acho que estamos a pôr todas as “fichas” do crescimento das crianças na escola, dando-lhe mais importância do que ela merece: a família é mais importante que a escola e brincar é tão importante como aprender. Escola e mais escola, sem família e sem brincar, é imaginar um crescimento onde a escola não dá vida mas dá, antes... “vistos gold” (com as consequências que todos conhecemos noutras áreas...). Atenção: estamos a transformar as crianças em burocratas de mochila; e isso é mau! Porque as tomamos como se, com isso, elas não fossem capazes de compatibilizar a vida familiar com o trabalho, a vida social com o desporto e com os amigos, os seus amores, com os sonhos e com o futuro. Ora, se elas não têm uma vida plural nos seus desafios, estamos a criar crianças... frágeis! Dar demasiada importância à escola é imaginar que a vida só se aprende nos livros, e que a “escola da vida” (que acarinha os erros e os enganos) não é a fonte de sabedoria que, de facto, ela é! Mais ainda: é esquecer que os avós sabem sempre mais que os livros; que os pais nunca têm todas as soluções mas encontram respostas únicas e engenhosas; que os professores se tornam desafiantes não tanto quando fornecem as soluções mas sempre que, de olhar matreiro, põem problemas; e que os amigos e os recreios são, eles próprios... uma “escola”! Escola são os avós, os pais, os professores, os amigos, os livros, as aulas e a vida todos misturados e todos diferentes.

Mas a escola faz mal às crianças quando imagina que elas tenham de fazer parte dum mesmo grupo de meninos entre o jardim de infância e o 9º ano de escolaridade, pelo menos. Ao contrário disso, eu acho que as crianças não são de porcelana: ao fim de um ano letivo, cada grupo deve baralhar-se, dividir-se em quatro e “voltar-se a dar”, com outro professor (ou, de preferência, com outro par educativo). Um sistema educativo assustado com a mudança não é amigo da escola nem da vida: transforma meninos saudáveis em crianças “imunodeprimidas”: intolerantes à frustração, desconfiadas diante da diferença e debilitadas diante do amor pela vida.

A escola faz mal às crianças quando as poupa à crítica e não as corrige, ao mesmo tempo que as escuta. Mas porque é que dizer a uma criança que fez mal se tornou um pecado? Ou que se enganou ou que pode ser melhor, que pode ser mais afoita, mais acutilante, mais educada ou mais arrojada? Mas quem é que inventou que isso as traumatiza?... O traumatismo são ressentimentos que se guardam; nunca dores que se partilham! Ainda assim, a escola faz mal quando só as reprova a elas, sempre que as crianças têm desempenhos negativos. E quando não questiona os pais e os professores que necessitam de planos educativos individuais; as escolas com défices de atenção, onde elas estão; as direções de escola hiperativas (com as quais têm de conviver todos os dias); e um ministério com (muitíssimas!) necessidades educativas especiais mas que, contra todas as evidências, tem de si a ideia dum sobredotado.

A escola faz mal quando distingue ensino regular e ensino especial, imaginando que umas são crianças de primeira e as outras têm necessidades educativas especiais. Todas as crianças têm sempre uma ou outra necessidade educativa especial e, todas elas, ganhavam se tivessem planos educativos individuais!! Mesmo as crianças certinhas? Sobretudo essas, tão queridas da escola. Na verdade, são certinhas porque são tristonhas. Já não falando das crianças exemplares que só o são porque têm pais autoritários, hostis ou, até, tirânicos. Fazer, no entanto, da educação especial uma espécie de enclave dedicado a crianças, supostamente, “atrasadas mentais” é que não! Em vez de tornar a escola inclusiva, exclui, etiqueta e descrimina!

A escola faz mal às crianças quando se preocupa a identificar autismos, dislexias, défices de atenção, síndromes de Asperger ou hiperatividades em vez de perguntar porquê! Por que é que uma sociedade que diz de si própria ser amiga do conhecimento faz com que, mal chegam às aulas, permite que as crianças, os pais e a escola, ela própria, deixem de perguntar: “porquê?... Porque é que mal as crianças têm um insucesso há sempre dois “porquês oficiais”: ou os pais discutem e estão a divorciar-se ou elas têm um defeito de fabrico?.... Então, e o modo como a escola está organizada, não é importante? E a forma como um professor (ou outro) estão de “candeias às avessas” com o ensino, não interfere na aprendizagem? Não é batota supor que os alunos, que lidam com a linguagem matemática de forma excelente (quando jogam num computador, por exemplo) sempre que têm insucesso na matemática, a culpa seja sua e de mais ninguém, nunca se questionando os professores de matemática, os professores que formam os professores de matemática, ou os programas de matemática, a didática e a pedagogia com que se fala de matemática? Uma escola pouco amiga dos porquês não é uma escola: é (desculpem!) uma tecnocracia amiga da estupidez, que pega nas crianças e as transforma em jovens tecnocratas de fraldas; depois, em jovens tecnocratas de mochila; mais tarde, em jovens tecnocratas que, à falta de mundo, se exibem no Facebook; para que, transformando alguns deles em jotas, passados uns anos tenhamos uma classe política que, muitas vezes, compensa com “equivalências”... a falta dum ofício, a falta de sabedoria e a falta de vida que foi tendo.

A escola faz mal às crianças quando permite que algumas escolas privadas sejam batoteiras!! E por mais cristãs que sejam escolham os alunos, à entrada. E sempre que um aluno tem dificuldades o convidem a sair. E logo que ele enviese os rankings o reprovem, para que as médias não se... constipem.

A escola faz mal às crianças quando permite, sem nunca perguntar porquê, que exista uma “epidemia atípica” de explicações. E faz mal quando utiliza a caderneta do aluno para se fazerem queixinhas e se repreenderem os pais. Ou, pior, para que depois de se desculparem do número excessivo de alunos por turma, existirem professores que acabam a passar trabalhos de casa para os pais! Ou, contra a sua vontade e traíndo a sua sensatez, acabam a passar trabalhos de casa em versão XL, simplesmente.

E faz mal, ainda, quando permite que muitos professores de escolas privadas vivam a escola sob coação. E sejam repreendidos quando são justos nas avaliações. E tenham de pôr pó de arroz nas notas porque há um colégio, ali ao lado, onde todas as crianças são, supostamente, sobredotadas. E tenham de as sinalizar, em fevereiro, para o ensino especial, para que não corram o risco de ser repreendidos, pelos seus diretores, se elas tiverem um nível ou outro abaixo da expectativa dos pais, em abril ou em maio. E fazem, ainda, mal sempre que algumas dessas escolas só aceitam ou rapazes ou raparigas, unicamente para que as crianças não se distraiam... (Não se estará, com isso, a sexualizar a vida para além do razoável?...) E outras que não ensinem o português ou a história de Portugal, mesmo que funcionem em Lisboa ou no Porto, porque são internacionais. Mas, afinal, quem pratica mais bullying na escola: os alunos, entre si, ou, sobretudo, quem a devia dirigir e quem se abstém de a regulamentar?

Talvez tenhamos, hoje, as melhores famílias que a humanidade jamais criou, as escolas mais plurais e mais atentas, e a mais fabulosa enciclopédia do mundo (que é a internet)! Mas, por nossa omissão, receio que estejamos a fazer mal ao crescimento das crianças, dos adolescentes e dos jovens. Porque eles foram poupados, felizmente, a condições de vida muito difíceis e foram poupados à morte e ao sofrimento banais. Mas, por isso, é urgente que elas desenvolvam, também, competências para o insucesso.

Para que serve, afinal, a escola? Para dar conhecimento? Não! Para aprender a procurá-lo!! E para acarinhar o erro!!!!!!!!! Serve para informar? Não! Serve deixar que a crianças a recrie e se recreiam com ela; porque quem não recria e não recreia nunca aprende! Serve para perguntar: “Professor, posso pôr uma pergunta?” Não! Porque, ao contrário do que muitos acham, o contraditório não é (nunca é) um delito de opinião. Mas é, simplesmente, o melhor amigo da dúvida com que se rasga mais uma avenida nova no conhecimento!

A escola serve para sentir e para imaginar. Serve para abstrair e sintetizar. Serve para discorrer e para pensar. Serve para educar para a humanidade. E serve, também, para acarinhar os afoitos, os arrojados, os desafiantes, os atrapalhados, os engasgados e os insubmissos. Serve para distinguir os sabidos, dos sabichões e dos sábios. Serve para fazer com que as crianças não sejam nem simplistas nem simplórias mas que percebam que a simplicidade é sempre (e só) uma consequência da sabedoria. A escola serve, finalmente, para preservar as qualidades com as quais as crianças lá chegam: serve para as manter tagarelas, serve para as proibir de brincar com iPads, enquanto elas não descobrirem os intestinos das coisas e enquanto não se sujarem. Serve para manterem a cabeça no ar (enquanto põem os pés na terra). Serve para usarem o nervoso miudinho com que alimenta o bicho carpinteiro com que se experimenta sempre que se aprende. E serve para perguntar porquê.

A escola serve para nos pôr problemas: nunca para os resolver. E é aqui que eu acho que passamos o tempo a dizer aos nossos filhos que a vida é fácil e, mais tarde ou mais cedo, eles sentem que foram enganados. As escolhas fáceis são o caminho mais curto para ficarmos burros mais depressa! Porque a vida é resolver problemas e, de complexidade em complexidade, à medida que os transformamos em sabedoria, nos tornarmos mais simples.

 

A escola é uma fábrica de sonhos. Mas serve, sobretudo, para não aceitarmos o sonho como um papel de parede. O sonho é, antes de tudo, uma janela que se insinua onde, antes, estaria, unicamente, uma parede. Peço, por isso, a todos os educadores e a todos os professores − porque talvez tenham a profissão mais próxima que existe da magia − que derrubem paredes, que tracem janelas mas (mesmo que vos desconsiderem, muitas vezes) peço-vos que sonhem! Porque é, sobretudo, com os vossos sonhos que um pouco mais de luz chega, todos os dias, a todas as crianças! E é com eles que todas elas ligam desassossego e confiança e, no seu faustoso fervilhar, ao mesmo tempo que pulam e avançam, vos perguntam uma e outra, e mais outra vez: falta muito p’ra chegar?...

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7442-falta-muito-pra-chegar

publicado por salinhadossonhos às 17:32
Terça-feira, 20 / 01 / 15

A depressão das crianças

Escrito por Eduardo Sá Sexta, 14 Novembro 2014

Querem, então, filhos capazes de estar tristes e menos deprimidos? Leia a crónica do psicólogo Eduardo Sá.

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É verdade que as dificuldades apuram, muitas vezes, o engenho. Não tanto porque o sofrimento que elas não deixam de trazer seja recomendável mas, antes, porque quando a dor não é nem excessivamente aguda nem extensa em demasia acaba por mobilizar os recursos saudáveis que temos ao nosso dispor. É claro que nunca há males que vêm por bem! E é verdade que uma formulação como essa tem qualquer coisa de triunfal que acaba por ser um bocadinho batoteira. Em primeiro lugar, porque a sabedoria nos ajuda a compreender, por antecipação, os perigos que nos ameaçam, levando a que os evitemos. E, em segundo lugar, porque sempre que agradecemos as dores menos os aproveitamos com a humildade de quem vê nelas uma oportunidade para aprender. Seja como for, também para muitos pais, os males do seu crescimento nunca terão vindo por bem. Mas sem eles, muito provavelmente, nunca teriam reunido as competências com que a “escola da vida” lhes deu garra e perseverança, e os terá ajudado a ser acutilantes e afoitos para se tornarem mais guerreiros, mais aventureiros e vencedores.

Se é verdade que a vida nunca é cor de rosa para ninguém é de esperar que, apesar disso, todos os pais queiram poupar aos filhos as experiências mais cinzentas do seu crescimento, por mais que elas possam ter dado um empurrãozinho fundamental para que eles sejam, hoje, como são. Mas, sendo assim, o grande desafio de todos os pais passa por não deixarem de dar colo, por não deixarem de proteger os filhos (nomeadamente, protegê-los das dores mais preponderantes da sua própria infância) e, ao mesmo tempo, por lhes criarem as condições para que eles desenvolvam competências para o insucesso sem as quais talvez não se conquiste nem a autonomia nem a robustez que os tornem fortes e audazes. Por outras palavras: como se pode conquistar aquilo que algumas dores trarão sem que se tenha de sofrer com elas? Será esta, provavelmente, a quadratura do círculo que torna a educação dum filho desafiante e complexa. E a pergunta que fica será: como é que isso se faz? Com regras claras, com um permanente incentivo à autonomia e com uma relação mais verdadeira com os insucessos, por exemplo.

Esta ideia tão protetora que os pais acabam por ter em relação ao crescimento das crianças é compreensível. E ajuda-nos a perceber que, se as protegem quase demais, talvez eles tenham tido muito mais experiências infantis de sofrimento do que as suas dores declaradas levariam a supor (e que não terão sido, todas elas, compostas por acontecimentos com um formato XXL de dor, mas que talvez tivessem a ver com incidentes, mal-entendidos, falhas e omissões dos seus pais que eles próprios não terão valorizado). Mas onde nos leva este ideal tão anti-depressivo de crescimento? Será razoável para o crescimento duma criança? E, por mais que a aspiração dos pais nos toque a todos, pode uma criança crescer à margem dos riscos ou das dores? E será que quanto mais as protegemos da dor mais as tornamos felizes? Receio que não. Voltemos à “fórmula” anterior: a mim parece-me que quanto mais somos omissos nas regras (e esquecemos que os pais bonzinhos são pais suficientemente maus), quanto mais condescendemos com a falta de autonomia das crianças (a que os pais chamam preguiça, como se fosse ela um “defeito de fabrico”), e quanto mais pomos “pó de arroz” nos seus erros e nas suas falhas (como se qualquer dor mais parecesse um traumatismo) mais acabamos a criar condições para que as crianças se deprimam. Porquê? Porque apesar de lhes darmos recursos fantásticos para o seu crescimento, talvez as poupemos às oportunidades de, com pequenas dores, elas os lapidarem e desenvolverem. Chegamos, assim, a um dilema: por falta de “dores do crescimento”, talvez não deixemos de lhes criar uma “imunodeficiência adquirida” à dor. E − sim! − em vez de as tornarmos robustas, ajudamos, mais do que seria o nosso desejo, para que se tornem frágeis. Mas − que isso fique claro − isso deve-se mais à ideia de que os bons pais nuÉ verdade que as crianças


Mas será que a fragilidade das crianças é uma fatalidade, como se elas estivessem condenadas a estar tristes? Claro que não! E é aqui que nos devemos centrar: por mais que erremos, muitas vezes, como pais, as crianças só parecem... crianças, em relação a tudo aquilo que se passa nas suas vidas, não tanto porque vivam distraídas mas, antes, porque os recursos saudáveis que os pais lhes vão fornecendo as torna autênticos “todo-o-terreno”. Não digo que sejam invulneráveis ao sofrimento. Mas que, apesar das nossas falhas, elas não se partem. Mais: os erros dos pais são, até, o sal do crescimento das crianças.

Mas, se é assim, porque é que se fala, como nunca se falou, da depressão das crianças? É verdade que todos os anos se registam muitos milhares de novos casos psiquiátricos de depressão nas crianças? E que isso se deva ou ao número de divórcios, ou à falta de famílias alargadas ou ao consumo de videojogos, como há quem afirme? Tentamos ir, de novo, pela sensatez. Não é verdade que hoje as crianças se deprimam mais! O que se passa é que a abordagem psiquiátrica do sofrimento das crianças, isso sim, tem ganho a preponderância que, felizmente, noutros tempos não existia. E, com mais rigor, que a medicalizacao psiquiátrica das crianças tem manifestado saltos exuberantes que parecem não merecer ponderação e que a hospitalização psiquiátrica de crianças começa a merecer uma aragem cada vez mais assustadora. Como se, hoje, o sofrimento das crianças existisse como uma realidade surpreendente e enigmática (quase ao nível duma epidemia atípica), sem que se meçam as consequências que a dor depressiva foi tendo em todas nas gerações dos seus avós e dos seus pais, por exemplo, e que fez com que muito deles a expressassem por perturbações de comportamento gravíssimas e por inibições cognitivas terríveis (o que levou, por exemplo, ao longo dos anos, a presumir-me que havia crianças inteligentes e crianças burras, sem nunca se perguntar em que medida as dores que elas iam enquistando não terão representado uma verdadeira “força de bloqueio” para as competências afetivas e cognitivas que não deixavam de ter).

Por outras palavras: é verdade que há muitas crianças que se deprimem; é verdade que os pais são, hoje, mais competentes como pais do que as suas próprias famílias terão sido (e, por isso, há menos crianças a deprimir, e menos haveria se os pais tivessem menos medo de ser pais e mais escutassem quem os ajude a sê-lo); é verdade que os pais são os verdadeiros anti-depressivos dos filhos (mas não deixa de ser verdade que as famílias mais alargadas de antigamente, por mais que fossem preciosas, não resolviam a dor depressiva da omissão e dos maus tratos de muitos pais, muito mais graves do que aqueles que observamos hoje); e é verdade que as crianças se estragariam menos se trabalhassem menos e vivessem com menos stresse e com menos compromissos (e que, até nisso, os pais podem dar uma ajudinha preciosa). Mas, apesar disso, deixem-nas em paz! E lembrem a quem fala da depressão como um perigo que se cura com gotinhas que a tristeza é um formidável anti-depressivo. Não a tristeza crónica, claro. Mas aquela que todas as pessoas de coração grande, de sangue quente e de sensibilidade à flor da pele não deixam de ter. A tristeza que precisa de ser falada, e a que precisa do corpo, em silêncio, de quem gosta de nós, bem perto do nosso (por dez minutos, que seja). A tristeza que resulta de tantas pequenas-coisas dum dia-não que, quando se vai para a descrever, dá um jeito precioso que haja quem nos sinta em si e que fale por nós.

Querem, então, filhos capazes de estar tristes e menos deprimidos? Deixem, por favor, de ser pais assustadiços. Façam deles filhos únicos, por meia hora, todos os dias. Nunca comecem todas as conversas, em que vão à procura de os conhecer melhor, com um novo “como foi a escola?”! Deixem-nas brincar, deixem-nas correr, deixem-nas sujar-se, deixem-nas falar e deixem-nas fantasiar! Obriguem-nas a ser crianças em vez de as quererem como jovens tecnocratas de sucesso. Deixem-nas errar e zanguem-se sempre que elas façam de “certinhas”. Lembrem-se do jeito que teria dado terem tido pais a lembrarem-se da sua própria infância quando falam com os filhos. Sintam-nos, primeiro; e imaginem-nos, depois. E arrisquem (arrisquem!) nos palpites que tenham acerca do que se passa com as crianças quando se trata de falar. Mas falem, por favor! E, já agora, nunca se esqueçam: se há aspetos preocupantes na vida das crianças o maior de todos será o lado medricas (e depressivo, até) de muitos pais.

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7519-a-depressao-das-criancas

publicado por salinhadossonhos às 17:36
Terça-feira, 13 / 01 / 15

10 receitas para cozinhar os medos das crianças

Escrito por Eduardo Sá Quarta, 01 Outubro 2014 

Os medos são naturais como a sede e fazem bem à saúde de todas as crianças. Na verdade, elas fazem, unicamente, de “João sem medo” não porque sejam destemidas mais ou menos “de origem” mas quando o pais têm uma fórmula especial para lidar com eles. E é aqui que, geralmente, tudo se complica.

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Os medos são naturais como a sede e fazem bem à saúde de todas as crianças. Na verdade, elas fazem, unicamente, de “João sem medo” não porque sejam destemidas mais ou menos “de origem” mas quando o pais têm uma fórmula especial para lidar com eles. E é aqui que, geralmente, tudo se complica.

Em primeiro lugar, há pais que têm um bocadinho de medo... dos medos das crianças. Que ficam com um “nervoso miudinho” quando elas têm medo e, por mais que não o digam, e falam dos medos como se fossem uma conta de subtrair e deixam entender que os medos mais parecem puzzles de onde sobram – sempre! – algumas peças. Ora, é importante não perdermos de vista que não há como não termos medo. Não quero dizer que os medos sejam tão fatais como o destino parece ser para algumas pessoas. Mas, no fundo, os medos são um excelente “indicador de parqueamento” com que todos nascemos equipados e representam um software que faz atualizações espontâneas quase todos os dias. Para além, é claro, de “apitarem”, dentro de nós, antes de nos aproximarmos de um obstáculo que, noutras circunstâncias, acabou por nos magoar (mesmo que, à primeira vista, pareçam medos... parvos).


Em segundo lugar, é bom nunca perdermos de vista que, por mais estranhos que pareçam, não há medos parvos nas crianças. Por mais que elas falem dos medos duma forma um bocadinho metafórica. Isto é, se o medo da professora não deixa grandes dúvidas, por exemplo (talvez porque venha acompanhado de pesadelos, de birras e de um ou outro vómito, de manhã), o medo do escuro (talvez o mais popular entre todos os medos, antes mesmo do medo dos monstros) já é mais difuso, o que deixa os pais, ao contrário do que deviam, com o receio desmedido de representar uma febre teimosa que resiste aos mais fofos dos mimos.


Em terceiro lugar, é bom que, tirando os medos que fazem parte do equipamento de todas as crianças – os bebés não precisam de andar aos abraços a serpentes ou a animais de grande porte, por exemplo, porque têm um código genético que lhes desaconselha esses desvarios – os medos são aprendidos. E, regra geral, os pais são os melhores professores do mundo para os medos das crianças. Sempre que elas se deparam com o que é novo e estranho, olham, em milésimos de segundo, para o olhar de um dos pais para que, no caso dos olhos deles revelarem preocupação ou medo, por exemplo, se orientarem fazendo suas as reações que esse “semáforo”  fabuloso lhes traz, a todo o momento. Os medos não se pegam, portanto, mas transmitem-se, em suaves prestações, mesmo que os pais imaginem nunca ter falado deles, seja em que circunstância for. Não falarem dos seus medos não significa que as crianças não os identifiquem, minuciosamente, uma vez que, como todos sabemos, elas “tiram as medidas” aos pais até ao mais fundo das suas “almas”.
Em quarto lugar, devia ser proibido dizer a um filho “não tenhas medo!”, até porque isso se presta a más interpretações. Se, nalgumas vezes, serve para dizer, de forma bondosa, “eu estou aqui; logo, não deixo que te aconteça nada!”, em muitas circunstâncias, serve, também, para trazer a maior das confusões. Porque, ao mesmo tempo que, um dos pais, diz a uma criança “não tenhas medo” o seu olhar transmite medo daquilo com que ela se assusta e medo de não ser capaz de gerir o medo que parece estar a tomar conta dela. Ou seja, se é para dizer “eu estou aqui”, mais vale não deixar espaço para grandes confusões. 


Em quinto lugar, ao contrário do que pode parecer, o medo é uma questão de sabedoria. Depois de nos magoarmos muito com qualquer coisa passamos a tentar evitar tudo o que seja mais ou menos semelhante àquilo que nos magoou. E isso é bom, desde que não evitemos demais. Aliás, se evitar um medo pode ser protetor, evitá-lo demais prende-nos a ele. E é neste “quanto baste” que os pais são preciosos como polícias dos medos. Mesmo que, ao contrário do que dizem aos filhos, os pais, sempre que ficam mais velhos, tornam-se mais... medricas. Tirando o medo da morte – que é uma espécie de “mãe de todos os medos” – à medida que corremos alguns riscos, uns mais pequenos que outros, trazemos prudência ao lado voluntarioso com que crescemos. Aliás, basta olharmos – com os olhos de quem foi aprendendo com o medo – para os perigos ou para os riscos que os nossos pais nos deixaram correr para ficarmos com o devaneio de sermos muito menos competentes do que eles. Na verdade, nunca ninguém nasce bem curado do umbigo, como dantes se dizia, dando a entender que a ousadia ou o lado mais afoito de algumas crianças seria uma espécie de “competência de fabrico”. O que se passa é que os pais, à medida que fazem de anjos da guarda mais protegem os filhos e, portanto, mais os ajudam a ser corajosos, audazes e, até, desafiantes. Por outras palavras, as crianças tornam-se destemidas sempre que os pais fazem de para-raios para os medos. E isso é bom. Por mais que a dificuldade dos pais passe por nunca as protegerem demais. Crianças protegidas demais não arriscam e, se não o fizerem, não se tornam destemidas: passam (antes) a ter medo do medo. E isso é mau.

Em sexto lugar, os medos são sempre irracionais. Isto é: a fórmula “explica à mãe porque é que tens medo” funciona tão bem como “contar carneiros”para adormecer. Por outras palavras, racionalizarmos o medo é a melhor forma de ficarmos presos a ele. Porque há sempre um bocadinho de medo que é uma metáfora (uma imagem, se preferirem). Explicar a uma criança que não há monstros debaixo da cama, por exemplo, nunca lhes resolve um problema. Porque, bem feitas as contas, ela desconfia que isso não aconteça. Mas, nunca fiando: se os monstros aparecem nas histórias fantásticas, nos desenhos animados e etc., se têm formas horríveis e vozes cavernosas que assustam, até, os mais corajosos, quem lhes garante que eles não andam por aí?... Mas, sobretudo, quem lhes garante que, chegada a hora da verdade, os pais não irão vacilar diante dum monstro e se, da mesma forma são excessivamente bem comportados diante da Brigada da Trânsito ou perante um acesso de mau-humor dos avós, não viram meninos pequeninos – muito ao jeito de “se não fosse por nada, eu dizia-lhe duas coisas” – e ficam num “vai tu; não, vai tu” que deixa qualquer filho de nervos em franja? Por outras palavras, as crianças não querem saber se os monstros existem. Há muito tempo que elas desconfiam que sim. O que elas precisam mesmo de estar certas é que os pais, sejam os monstros quem forem, fazem de super-heróis e lhes dão os corretivos indispensáveis. Ora, quando se chega a um patamar do género: “explica à mãe porque é que tens medo...” a legenda, em português de criança, é: “eu já percebi que tens medo e, feitas as contas, sou levada a imaginar que não sabes, exactamente, de quê; mas, se isso te deixa sossegado, eu também... não” não dá descanso a ninguém... Por outras palavras: os medos não se resolvem com explicações (“já viste que as janelas estão fechadas”, por exemplo, não é grande explicação porque, monstro que é monstro, atravessa as paredes). Ao falarem de monstros, as crianças estão a dizer aos pais: “Mas isso de me protegeres sempre, seja do que for, e nunca me deixares morrer, é mesmo verdade?...” Ora, se os pais, por mais que as crianças alarguem a baliza, o melhor que conseguem é acertar na trave, convenhamos que não só as levam a ter o medo que já tinham acrescido, agora, do medo dos pais não estarem à altura dum “super-polícia”. O que lhe estou a propor é que se não percebe o medo do seu filho, não invente! Diga-lhe a verdade: “A mãe não consegue entender muito bem o teu medo mas, duma coisa podes estar certo: seja o que for que te fizer mal, a mãe pega-lhe pelos colarinhos, abana-o como deve ser, abre a porta de casa, dá-lhe um pontapé pelas escadas abaixo que, seja lá o que for que te faça mal, vai pensar duas vezes antes de voltar cá a casa!”. Mesmo que seja a minha professora (pensará uma criança)? Mas, não se incomode: as perguntas inconvenientes são uma edição limitada dos filhos das suas amigas... Fácil, portanto...

Em sétimo lugar, há momentos que entre o medo que uma criança tem seja do que for e o medo da mãe ou da pai eu prefiro que ela tenha mais 20 mg de medo da mãe ou do pai. Por outras palavras: sempre que temos medo há uma reação de raiva, dentro de nós, que é tão natural como a sede. Alguns pais dão murros na mesa e uma ou outra mãe partem uns pratos... Portanto, isto não é uma novidade do tamanho do mundo para os pais: a raiva, embora convenha que não se exagere, serve de ansiolítico e isso ajuda a vencer a inibição que todos os medos acabam por trazer, através da qual acabamos por ficar um bocadinho... mais burros. Mas se um medo é grande e, a seguir, temos uma mãe ou um pai a amplificá-lo, sem querer – de pergunta em pergunta ou com mais uma pitada de explicações que não descosem os medos – nunca mais é sábado. Até porque, quase como quem decreta pagamentos por conta em relação aos impostos, há crianças que, antes de experimentarem alguma coisa, dizem “não sou capaz” (que é uma forma de reconhecerem, por outras palavras, que têm medo, até, de tentar) o que deixa os pais entre os medos prováveis, os medos presumíveis e os medos antecipáveis (que, regra geral, os põem à beira da fúria). É por isso que a “fórmula” segura para os medos é: “Se, enquanto a mãe ou o pai estiverem aqui, te acontecer alguma coisa má, tens toda a razão para teres medo. Se nunca aconteceu...” Mas, vamos imaginar que uma criança insiste e insiste no medo. Há um momento em que, depois de a avisar as tais duas vezes que, desde sempre, lhe falo, se tiver que se zangar, faça o favor. São os tais 20 mg acrescidos de medo da reação do pai ou da mãe que dão um jeitão porque fazem com que o medo – que, até aí, parecia uma “força de bloqueio” – diminua a olhos vistos. Porque, logo a seguir a fazermos de maus, uma criança fica zangada com a observação dos pais e, por isso, lhes “tira as medidas” com um olhar do género “se não fosse por nada, limpava-te o pó...” para que, quando dá por isso, o medo tenha virado urso de peluche... Zangarmo-nos diante dum medo repetido é uma forma de não ficarmos nem assustados com aquilo que assusta uma criança nem com tremeliques diante dos “efeitos especiais” com que ela lida com ele.

Em oitavo lugar, nunca perca de vista que os piores dos medos de todas as crianças são os medos mais delicados. Os que se evitam, duma forma mais ou menos furtiva. Por exemplo, quando uma criança faz de conta que se esquece dum convite para uma festa dum amigo está a ser batoteira. Ela está, só, a dizer que tem tanto medo de não ser capaz de se sentir bem no meio da festa que tenta, de todas maneiras, evitar “socializar-se”. Aqui, volto a dizer-lhe, ir à festa é tão sério como nunca se esquecer das horas dum antibiótico! Mas, vamos imaginar, que o seu filho evita alguém da sua família e é, até, mal educado, sempre que está com essa pessoa. Não pressuponha logo, por favor, que alguma coisa próxima da pedofilia terá existido. Mas as crianças têm medo de quem tem um olhar deprimido ou mais ou menos zangado. Por mais que seja a avó ou um tio, por exemplo. Portanto, em vez de lhe ralhar, porque ela tem medo de todos os olhares que têm picos, ralhe com a sua mãe ou com o seu irmão... depois de lhes dar o colo que eles lhe mereçam.
Em nono lugar, nunca leve a sério aquela ideia que recomenda que quem tem medo... compra um cão. Fazer dum cão um terapeuta dos medos do seu filho é pôr nos ombros dele uma responsabilidade que fica bem é aos pais. Portanto, isto de deitar a mão a meia dúzia de slogans para resolver um medo está para a taquicardia como o “falar pela positiva”, de alguns políticos, para o saldo da economia... E, já agora, falando neles, lembre-se dos políticos que, depois de prometerem que nunca aumentam os impostos quando o seu filho, no meio dum braço de ferro que faça consigo, lhe diz, num tom de desafio: “Não tenho medo!”. Negar é afirmar duas vezes (tem descoberto isso na sua carteira, não é verdade?). E, por isso, sempre que uma criança diz “não tenho medo!” está a tentar perceber se o pai ou a mãe fazem de totós diante dessa publicidade enganosa quando, na verdade, o que ela quer dizer, é... “mostra que sabes mandar!”  

Finalmente, nunca perca de vista que desafiar um medo é próprio dos medricas. Daqueles que passam a vida a meter medo aos outros (ou, melhor, a meter os seus medos dentro dos outros). O seu filho não precisa de ser isso. Já os guerreiros – como aqueles que tem aí em casa – não são aqueles que não têm medo. Mas, antes, aqueles que, depois de os respeitarem, descobrem em quem se podem apoiar para os vencerem. Ora, esta é a deixa que todos os pais devem ter em consideração, todos os dias:  há lá coisa melhor que os pais podem ser do que guardadores dos medos dum filho?...

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7389-10-receitas-para-cozinhar-os-medos-das-criancas?start=1

 

publicado por salinhadossonhos às 17:34
Terça-feira, 25 / 11 / 14

“O mimo nunca estraga uma criança”

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O pediatra Mário Cordeiro escreveu mais livro dirigido aos pais. Desta vez, sobre “Educar com Amor”, porque, como explica, “amar é a palavra-chave” e “educar é o seu apêndice”. Em entrevista à Pais&filhos apela aos pais que sejam mais coerentes, mais frugais e que digam aos filhos que os amam, “sem cerimónias”.

 

 

 

Começa o livro com um exemplo bem conhecido de quase todos os pais: uma birra gigante no supermercado, no final de um dia de escola/trabalho, porque a Maria, de três anos, quer um pacote de bolachas e a mãe não quer comprar. A mãe deve comprar as bolachas à Maria ou não?

 

Isso é uma minudência no meio desse imbróglio. A mãe deve agir como entender, mas “curto e seco”, no sentido de comprar a birra ou as bolachas, mas não ficar num “entre cá e lá” que só confunde a criança e aumenta o stresse. Num momento ser possível e no outro não, acabará por bombardear a criança com mensagens contraditórias. A mãe, porventura, deveria ter poupado – à Maria e a ela própria – aquela cena, pensando numa melhor altura para ir às compras, que não um final de tarde de um cansativo dia.

 

 

 

Fala-se muito na necessidade de dizer “não” às crianças? Neste livro parece discordar dessa ideia…

 

Atenção que não partilho a ideia de alguns pediatras de que as crianças devem ser os reizinhos da casa e que o mundo deixa de girar porque suas excelências querem isto e aquilo. Defendo que se diga “não” e sublinho, várias vezes, que o “não”, quando adequado e justo, é a melhor forma de a criança aprender a viver com a frustração, e não ficarem umas pessoas egoístas, narcísicas e omnipotentes. Agora, entre o “não” sem explicações e que humilha e sacode, e o “não” em que se dão justificações, se ensina, se acarinha e se arranja uma alternativa e um plano B, C ou D, opto decididamente pelo segundo.

 

 

 

E os castigos são mesmo pedagógicos?

 

Claro que são. Tal como os prémios. Mas têm de ser adequados, justos, proporcionados, no tempo certo, e sempre, mas sempre mesmo, castigando o ato e o comportamento e nunca, mas mesmo nunca, a pessoa. A criança é querida, do sentido do verbo querer, e isso deve ser sublinhado naquela altura em que ela pensa que os pais vão deixar de gostar dela ou pensar que ela é feia ou má. Mas depois disto dito, o comportamento deve ser avaliado, dissecado e, se for caso, aplica-se a “justiça”, com penas, atenuantes e agravantes…

 

 

Um dos grandes medos dos pais é que os filhos não se sintam amados? Como é que podemos mostrar aos nossos filhos que os amamos?

 

Dizendo-lhes sem cerimónias, as vezes que considerarmos necessárias. Dizermos mas não para fazer um favor ou exibirmo-nos em frente de terceiras pessoas. Dizermos quando nos sai da alma. E mostrarmos, no quotidiano, que eles são uma prioridade. Não devem “comer-nos” a nossa vida, atabafar o nosso ser, cilindrar o nosso “eu”, mas têm de saber que os amamos. Amar – essa é a palavra-chave, e com ela vem o seu apêndice: Educar. Não há um sem o outro.

 

 

Quais são os maiores erros que os pais fazem que os impedem de educar os seus filhos com amor?

 

Quererem ser pais perfeitos, serem inseguros no seu amor, verem os filhos como cartões-de-visita ou sinais exteriores da sua grandiosidade, estilo “que grande mãe que eu sou por ter filhos tão bonitos”, quando isso ultrapassa o orgulho normal e natural que devemos ter em ter filhos. Outro aspeto é, dentro das nossas normais incoerências e inconsistências, inerentes ao ser humano, andarmos em zig-zag, ao sabor do vento, das modas, das redes sociais, e agirmos contra o que apregoamos: “Não acho bem que tenhas consolas, mas toma lá uma PS4, já que todos os teus amigos têm”. As crianças têm de ter a ideia de que estão em primeiro lugar para os pais – e estão! – mesmo que isso não signifique, pelo contrário, usurpar a vida dos pais, já que ambas as partes devem ter uma crescente autonomia interdependente.

 

 

 

A ideia de que o mimo demais ou o colo estraga as crianças já está mesmo fora de moda?

 

Nunca o mimo estraga uma criança – o que estraga é o desamor, o desamparo, a negligência, o desprezo, o não provimento das necessidades básicas e irredutíveis da criança. Há quem diga isso, mas é tão cientificamente errado como dizer que as vacinas fazem mal e que ter doenças é que é bom. Mas mimo é a expressão major do amor oblativo, ou seja, do que se dá “apenas porque sim”, e não de chantagens, negócios, estratégias de poder, etc.

 

 

No livro, tem um capítulo sobre as vantagens da agressividade. Pode explicar algumas?

 

Agressividade não é violência. Agressividade é a expressão do nosso polo hormonal adrenalínico (polo “pai”: ação, atividade, ousadia, crescer, arriscar). Se respeitar o outro, a agressividade é benéfica. Se entrar pelo desrespeito e pela violência, como “corta caminho” para se obter o que se deseja, então já estamos num patamar diferente, num quadro que deve ser censurado numa sociedade que se quer formada por cidadãos livres, responsáveis, humanistas e democratas.

 

 

 

As crianças de hoje brincam pouco na rua, a maior parte não sabe lançar o pião, nem nunca andou num carrinho de rolamentos. Acha que essas experiências fazem falta à infância?

 

Não sei se é a jogar ao pião ou com carrinhos de rolamentos – sou pouco nostálgico do passado em coisas assim. Sei que as crianças precisam de interação com o meio, as pessoas e os objetos usando os cinco sentidos e não apenas o visual com um bocadinho de áudio. Se é com piões ou se é jogando futebol… isso pouco importa. Mas favorecer a brincadeira em grupo, com contato e conflitos, aprender a dirimi-los, fruir a Natureza… aí sim.

 

 

 

Por outro lado, a maior parte das crianças adora e é expert em tecnologia. Como é que acha que deve ser a relação das crianças com as tecnologias?

 

Sempre houve tecnologias porque termos a oponência do polegar é a primeira das tecnologias! Quanto às novas – ecrãs nos seus vários matizes –, são boas desde que bem usadas, em qualidade e quantidade. Podemos ter 24 horas de zapping de luxo ou de lixo, mas uma coisa é certa: se estivermos 24 horas a ver tv não nos sobrará tempo para tudo o resto. A arte está em conseguir organizar a vida quotidiana de modo a poder fazer um bocadinho de tudo. É um desafio, mas se pararmos um bocadinho para pensar, veremos que temos muito mais graus de liberdade do que pensamos, desde que não nos deixemos levar por chavões e cultivemos uma vida frugal e simples, sem show-offs.

 

 

 

Existem tantas teorias e livros sobre todos os aspetos da educação de uma criança e até sobre a forma de amar um filho. Onde é que fica o instinto no meio de tanta informação?

 

O instinto é o que conta mais, mas a questão é saber se o instinto não tem de ter baias e limites, ele próprio. Será instintivo, eventualmente, dar bofetadas ou puxar as orelhas a uma criança que não faz o que os pais dizem ou que é malcriada… e contudo, este comportamento deve ser interdito. O instinto dá ao animal humano capacidade de fazer o melhor, mas também de exercer, sobretudo face a mais fracos, um poder que pode ter raias de perversidade e de vingança “pelos males do mundo”. E, como em tudo na vida, a Ciência – pediatria, psicologia, antropologia, sociologia, ética – pode ajudar os pais a balizar os seus comportamentos sem lhes dizer propriamente o que devem fazer, estilo “manual de etiqueta”.

 

 

 

O que é que faz falta às crianças de hoje?

 

É difícil particularizar, dado que, como afirmou Ortega y Gasset, “nós somos nós e as nossas circunstâncias”, e as circunstâncias variam quase tanto como as pessoas. Todavia, creio que falta cultivar a frugalidade, o que é diferente da pobreza, embora muitas vezes confundida. Ser pobre é não poder ter. Ser frugal é poder ter e não querer ter porque será redundante, exagerado ou desperdício. Devemos divertir-nos mais com coisas naturais, não dispendiosas, e ensinar as crianças a amarem a vida e a balizarem os comportamentos pela ética. Confundir o Bem e o Mal e desculpar ou branquear o Mal é um dos problemas com que nos enfrentamos. Simplicidade, humildade, cultura, divertimento com coisas pequenas, relações interpessoais e não meramente em redes sociais… enfim, fica uma ideia. Mas, note-se, não defendo, pelo contrário, o regresso à Idade das Cavernas!

 

 

 

E o que é que as faz felizes?

 

Serem amadas. Sentirem-se amadas, acompanhadas, orientadas. Sentirem limites. Saberem que alguém se preocupa em ensiná-las e terem gosto em aprenderem, em aperfeiçoarem-se, em serem melhores e transcenderem-se, e também em fazerem bem “porque sim”, como pessoas honradas e cidadãos intervenientes que devem ser. A felicidade passa também por se sentirem únicas, importantes e imprescindíveis. Claro que um geladinho ou chocolates, um passeio ou um cinema de vez em quando também as faz felizes, tal e qual um beijinho inesperado no meio do corredor ou um abraço “só porque apetece”… e aos pais igualmente, quando as acompanham nesses momentos irrepetíveis. 

 

 

 

http://www.paisefilhos.pt/index.php/destaque/7506-o-mimo-nunca-estraga-uma-crianca?start=1

publicado por salinhadossonhos às 01:54
Terça-feira, 02 / 09 / 14

6 Mitos sobre a preparação no jardim de infância para a escola primária

6 MITOS (de que se fala) sobre a preparação de uma criança no JARDIM DE INFÂNCIA para a ESCOLA PRIMÁRIA (recolhidos pela MUNDOS DE VIDA). 


Os primeiros cinco anos de vida de uma criança são críticos. A sua relação e as suas primeiras experiências com o ambiente que a rodeia vão influenciar o desenvolvimento do cérebro, criando conexões neuronais que vão constituir a base para o desenvolvimento da linguagem, o raciocínio, a resolução de problemas, o comportamento e o seu bem-estar emocional - características que vão determinar, futuramente, o sucesso da criança na escola e na vida.

Existem, no entanto, alguns MITOS (de que se fala) sobre o papel que o Jardim-de-Infância deve ter na preparação da criança para a Escola Primária, que é bom esclarecer: 

MITO 1 – Ensinar o alfabeto todo é fundamental para preparar uma criança para a escola primária.
VERDADE: Não é assim. Aprender o alfabeto não é realmente fundamental. Aos cinco anos seria, sobretudo, reflexo de uma memorização precoce. É mais importante que as crianças saibam reconhecer as letras e identificar os seus sons. 

MITO 2 - As crianças precisam saber contar até 50, antes de entrar para a escola primária.
VERDADE: Não é assim. Embora seja importante que as crianças entendam a ordem dos números, é mais importante que entendam a correspondência de 1 para 1 (que cada número contado corresponde a um objeto, a uma pessoa, …) e compreendam a noção de quantidade.

MITO 3 – Quanto mais coisas a educadora ensinar à criança, melhor.
VERDADE: Não é assim. As crianças entendem melhor os conceitos quando são elas próprias que estão envolvidas, ativamente, na exploração e na aprendizagem, em vez de tudo lhes ser dito por alguém. O papel da educadora e dos adultos é mais o de estar perto a estimular e a guiar, de forma intencional, a sua aprendizagem. 

MITO 4 - Quanto mais a estrutura do programa de um Jardim-de-Infância se parecer com o programa da Escola Primária, mais uma criança fica melhor preparada. 
VERDADE: Não é assim. Uma criança pequena aprende melhor num ambiente onde pode escolher a área onde quer brincar, onde possa selecionar os próprios materiais, pelo menos numa parte do dia, e onde lhe é dada liberdade para tentar fazer coisas novas, com o apoio da educadora que a orienta na sua aprendizagem e nas suas descobertas. 

MITO 5 - As crianças precisam de estar caladas na sala para aprender melhor.
VERDADE: Não é assim. As crianças pequenas precisam de um ambiente onde se fale bastante, rico de palavras, onde os adultos criam interações para elas poderem desenvolver a linguagem e aprender novas palavras.

MITO 6 – Para aprender a escrever, deve saber desenhar todas as letras.
VERDADE: Não é assim. Embora aprender o desenho da letra tenha valor, para uma criança pequena, o mais importante é entender que se pode fazer o registo das ideias no papel. Quando uma criança faz alguns rabiscos e diz: "este é o meu pai", ou quando escreve o seu nome num desenho, a criança começa a fazer, realmente, as associações significativas entre a palavra falada e a palavra escrita.

Em síntese:

Nem sempre saber “mais e mais cedo” é o melhor. Mais do que ensinar "matérias escolares" para preparar a criança para a escola primária, o que é mais importante no jardim-de-infância é dar à criança oportunidades de explorar e fazer as suas experiências num ambiente onde a educadora e os adultos assumem o papel de alguém que apoia, guia e ajuda, com intencionalidade, a expandir a sua própria aprendizagem. 

E se é verdade que um Jardim-de-Infância deve ajudar na transição, também não é menos verdade que a Escola Primária (o que nem sempre acontece ou da melhor forma) deve dedicar as primeiras semanas do primeiro ano para apoiar a criança e os seus pais na transição, ajudando-a a criar rotinas e sentir-se segura, numa nova etapa da sua vida, apresentando-se, desde o primeiro dia, como uma "escola amiga da família".

 

 

 

http://curiososeb.blogs.sapo.pt/14901.html

publicado por salinhadossonhos às 06:02
Terça-feira, 08 / 07 / 14

21 receitas para pôr regras no seu filho

Escrito por Eduardo Sá Sexta, 28 Março 2014           

  

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1. As crianças necessitam de regras − coerentes, constantes e claras − sejam elas trazidas pela mãe ou pelo pai.
2. As regras da mãe e do pai, para serem saudáveis, não podem ser (milimetricamente) iguais. Precisam de zonas de tensão, climas duma certa aragenzinha do género: “Querem lá ver que me está a desautorizar...” e de muita manha das crianças: quer quando falam para dentro e, duma forma angélica, presumem que se o pai não disse que não (mesmo que não tenha conseguido discernir a pergunta) é porque está de acordo com ela, quer quando dizem à mãe (tipo cachorro abandonado): “Eu queria uma coisa... mas tu não vais deixar...” (que, depois de repetida três vezes, faz com que qualquer mãe diga “Sim!!!!!!” seja ao que for). Para serem saudáveis, as regras da mãe e do pai não têm que ser um exemplo de unicidade. Precisamente, unicamente, de encontrar nos gestos de um e do outro um mínimo denominador comum.
3. As regras dos pais, ao pé das dos avós, têm sempre “voto de qualidade”. Que as regras dos avós sejam açucaradas é bom; até porque traz contraditório a alguns excessos dos pais. Que em presença de um dos pais, valham as regras dos avós, não há melhor incentivo à confusão.
4. Para as regras dos pais serem apuradas, eles precisam de esgotar, de vez em quando, as quotas de parvoíce a que todas as pessoas têm direito. Pais que nunca se enganam podem ter como aspiração ser bons governantes... Mas são maus pais.
5. Todos os pais, de coração grande, têm (por isso mesmo) a cabeça quente. Exageram, portanto, algumas vezes. Mesmo quando, duma forma ternurenta, mandam as crianças de quarentena para o quarto para pensarem nas asneiras que fizeram (que, à escala do crime económico, vale tanto como desterrar um infrator nas Ilhas Caimão para reconsiderar sobre tudo aquilo que subtraiu à margem da Lei).
6. As regras não se explicam, não se negoceiam nem se justificam. Muito menos, constantemente. Explicação será exceção. A baliza de referência para todas as regras serão os comportamentos dos pais: não é credível que os pais exijam aquilo que eles próprios, um com o outro ou com terceiros, não façam, regularmente.
7. As regras exigem-se. Não se solicitam. E essa exigência deve fazer-se de forma firme e serena.
8. Às regras não se pode chegar depois de muitas ameaças, admoestações ou avisos. E, muito menos, com decibéis em excesso ou na companhia dum olhar assustado por parte dos pais. Se fosse assim, os pais exigiriam serenidade e bom senso com a boca e alarmismo, inflamação e ira, com o seu olhar (ora hostil ora assustado). E, num caso desses, as crianças assustar-se-iam e, em função disso, tenderiam a reagir como um animal encurralado...
9. Autoridade é um exercício de bondade. Exercê-la a medo é pedir desculpa por ser bondoso.
10. Depois duma criança ser avisada duas vezes, as regras dos pais têm de se cumprir. Isto é, têm mesmo de ser levadas a efeito. Ora, se os pais avisam e não cumprem, se avisam e reagem a uma falha com mais avisos, ou se avisam e, de seguida, são desmedidos no exercício da sua justiça, tudo fica confuso e inconsequente.
11. Os pais não podem zangar-se como quem promove pagamentos por conta. Na versão do velho Oeste isso significaria: dispara primeiro e pergunta depois. Isto é: não podem zangar-se por antecipação, na esperança de que isso promova a justiça. E não podem, diante duma mesma infração, hoje, zangarem-se e, amanhã, nem por isso. Porque, ao acumularem zanga, deixam passar situações que precisariam de ser claramente repreendidas para que reajam, mais tarde, diante doutras quase insignificantes. À escala da política tributária, isso significaria zangas com juros de mora. E ninguém consegue ser justo cobrando juros sobre juros a quem quer que seja...
12. Sempre que os pais se sentem muito magoados diante dum qualquer ato dum filho, estão proibidos de reagir num impulso. É melhor parecerem vacilar em tempo real e, depois da mãe e do pai conferenciarem, mais logo, ao jantar, a coima ser clara e inequívoca.
13. A regra será: sempre que o comportamento dos filhos magoe os pais eles estão obrigados a reagir. Sempre! Magoar os pais e não ter − numa repreensão, num castigo, ou numa palmada no rabo, excecional − uma forma de sinalizar o mal que se faz aos pais, através, da dor, como um interdito, é acarinhá-lo, por omissão. No entanto, nenhuma criança se torna má sem que os pais - por aflição, por exemplo - não promovam, sem querer, várias maldades.
14. Atribuir-se a culpa dos atos duma criança ao outro dos pais ou aos avós, por exemplo, é uma forma de fugir à responsabilidade. Em caso de dúvida em relação às regras da mãe e do pai, ou dos pais e dos avós, todas as crianças elevam a fasquia das asneiras, na ânsia de verem os pais, sempre que elas passam por um nível seguinte, a conseguirem ser justos.
15. Diante das asneiras das crianças, vale pouco que os pais abusem nos castigos. Se os castigos forem ocasionais e adequados à infração, nada se perde. Se forem desmedidos ou repetidos são insensatos. Na verdade, sempre que os pais dominam a situação, em tempo real, os castigos deixam de ser precisos logo que os pais passam de verde para amarelo.
16. Se os pais exercem a autoridade a medo, assustam. Pais assustados, tornam as crianças assustadiças. Isto é, capazes de reagir de forma desafiante sempre que se sentem encurraladas entre os seus medos e os medos dos pais.
17. Se os pais exercem a autoridade de forma pesada e deprimida, assustam, também. Porque à tristeza contida dos pais chama-se hostilidade. E essa hostilidade, associada a um ralhete, onera uma repreensão com sobretaxas que se tornam enigmáticas (e injustas) para as crianças.
18. Se os pais, em vez de se zangarem, ameaçam que ficam tristes, estão a dizer às crianças que elas os magoam (e isso, regra geral, elas já sabem). E, claro, que são de porcelana, quando se trata de as proteger e reagir. Pais deprimidos são, por isso mesmo, mais abandónicos do que parecem. São amigos do queixume, mas pouco pais, portanto.
19. Se os pais não se zangam mas amuam, estão a fazer duma família uma escola de rancores. Rancor é ressentimento e ira, numa relação de dois em um. E isso torna os pais mais assustadores do que quando se esganiçam e exageram.
20. Por tudo isto, é claro que por trás duma criança difícil está um adulto em dificuldades. Mas por trás duma outra exemplar estão pais mais ou menos tirânicos. Da mesma forma, por trás duma criança certinha está alguém mais ou menos assustado que, por exigências exageradas, ainda não pôde experimentar que a função fundamental dum filho é pôr problemas aos pais.
21. A autoridade é um exercício de bondade. Aceita-se quando nos chega pela mão de quem nos ama ou das pessoas que admiramos. Mesmo que as crianças, num primeiro momento, a desafiem, que é uma forma de, por cada não (“não me doeu”, “não ouvi”, e assim sucessivamente) afirmarem (que ela só tem sentido) duas vezes. Seja como for, a autoridade pressupõe sabedoria, bondade e sentido de justiça. E nenhuma criança, nenhuma mesmo, a rejeita. Mesmo que ela chegue mediada por alguma dor. Ninguém aprende sem alguma dor. Como eu gosto dizer, a dor é o sal da sabedoria.

 

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/6998-21-receitas-para-por-regras-no-seu-filho

publicado por salinhadossonhos às 02:44
Terça-feira, 01 / 07 / 14

O melhor brinquedo

Escrito por Eduardo Sá Terça, 12 Novembro 2013              

 

 

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Ter um irmão não é o melhor do mundo. Não tem uma graça por aí além não só dividir 100 por cento de pai e de mãe como, com a chegada dum irmão, passar a dispor – na melhor das hipóteses de 30 por cento de mãe e de um pouco mais de pai. Não “esfrega o ego” passar de príncipezinho ou de princesa a segunda figura, sobretudo quando os amigos da família passam a ter uma atenção mais condescendente com uma criança enquanto mimam e guardam todos os “posso pegar nele?” para quem está a chegar. E é dum desalento sem limite que, volta não volta, um dos pais repita – a propósito de tudo e de nada – “tu és o mais velho” como se, com isso, evocasse um estatuto cheio de “algodão doce” com que mima um filho mais velho quando, na verdade, essa qualidade mais parece um imposto de valor (sempre) acrescentado que estraga a boa disposição a qualquer pessoa.

 

Ter um irmão não é – mesmo! – o melhor do mundo. Significa ir ver a mãe a um local parecido com um hospital, deixá-la lá (como se estivesse muito doente) enquanto as pessoas, sempre que a visitam, em vez de tristes, lhe dão abraços e presentes, e parecessem não dar importância ao pavor duma criança dela poder... morrer. Significa estar-se, temporariamente, proibido de lhe saltar para o colo, em voo picado, e aterrar nas suas meiguices, porque ela se mexe devagarinho e, embora os seus olhos não enganem, tudo pareça ser para ela mais doído e complicado. E significa avisos contra os berros e as birras (por causa do suspeito do costume...), avisos a propósito da liberdade condicional nas idas ao parque (porque sua excelência, o bebé, não pode apanhar sol), e avisos contra o estacionamento, em segunda fila, dos brinquedos pela sala, porque o bebé se pode magoar.

 

Ter um irmão não tem graça nenhuma. Sobretudo quando uma criança “acorda com as galinhas”, se levanta “de madrugada”, se tem de vestir a correr e engolir os cereais sem direito a canal Panda enquanto ele, o “filho querido”, fica a dormir no quentinho, com a mãe, passa a manhã com ela, e tem o olhar mais açucarado do universo à espera dele, mal abre um olho. E, se ele acorda a chorar e esganiçado, ninguém o manda ser pateta e mal disposto. É por causa dessas, e por outras, que (por mais que os pais achem o contrário) quando nasce um irmão uma criança passa a ocupar tão pouco espaço que se não fosse reclamar uma chucha, outra vez, molhar a cama (de novo) contra todo o seu brio, ou fazer um esforço para não comer (para ganhar, com isso, mais umas migalhas de mãe e de pai), então sim, a síndrome de privação de colo seria uma catástrofe do tamanho do mundo.

 

E não vale (não vale!) que os pais digam, e repitam, que decidiram mandar vir outro bebé porque “o meu filho queria muito”... Imaginando que até quisesse um bocadinho, uma criança não é obrigada a imaginar todos os custos com que um pedido desses vem embrulhado. E, depois, supondo que o tenha pedido, um irmão é um irmão: não é um bebé (que não joga à bola, não brinca às escondidas e não compõe uma belíssima quadrilha para assaltar o armário das bolachas). E, por mais que, num dia mau, tenha insistido muito em ter um irmão, uma criança não é obrigada a saber que um bebé vem equipado com tantas restrições que, em vez dele ser um presente, o transformam num encargo para toda a vida. E, finalmente, quem manda os pais dizer que sim a todos os caprichos que passam pela cabeça dum filho mimado?...

 

Por outro lado, “eles gostam muito um do outro” – tão do agrado dos pais – é slogan. Nada de confusões! Aliás, como é que se pode estar como Deus e os anjos com quem nos mostra que crescer é uma espécie de promoção pelas escadas abaixo? Como é possível não ter um ódiozinho de estimação por quem, só porque reclama o nosso brinquedo favorito com o volume no máximo, merece do pai e da mãe um meloso “deixa lá!...”? E como não há-de uma criança sair do sério quando, enquanto ela tem de comer a sopa sozinha, e tem de se cansar, pegando no garfo, o “doutor bebé” tem direito a tudo e a mais alguma coisa, como se o estatuto do crescimento empanturrasse de coimas uma criança enquanto diante dum irmão, cheio de mordomias, os pais quase parece que se vendem por um minúsculo sorriso?

 

Não, eles não gostam muito um do outro! Se uma das mamas da mãe desse leitinho ao bebé e a outra coca-cola (como o Pedro chegou a perguntar) ainda vá! Mas, não sendo assim, como é que uma criança não haverá de ter um gosto particular ao insultar um irmão chamando-lhe... bebé? E porque é que há-de ser proibido que a mão se torne leve e lhe fuja e, contra a sua vontade (já se vê...), e uma criança acabe a premiar um bebé com um afetuoso... palmadão? E como é que uma criança não há-de ter uma tentação de apertar sei lá o quê à concorrência quando ouve a mãe a dizer-lhe: “Quem é o meu bebé, quem é?” (enquanto besunta o irmão com uma infinidade de beijos e de abraços)?

 

É verdade que os pais são brinquedos de imenso agrado para as crianças: são ergonómicos, preenchem as exigências de segurança da comunidade europeia para os brinquedos, não se partem em pequenas peças e, apesar das idas insistentes ao ginásio, têm os cantos arredondados (o que as protege muito de quaisquer acidentes). Mas, sim, apesar desse imenso privilégio, um irmão pode ser o melhor brinquedo do mundo: mexe-se e fala, desafia e aconchega, é rival e cúmplice, e... é parvo todos os dias (sobretudo, quando não se chega à frente para repreender os pais sempre que ralham, duma maneira mais ou menos desenfreada, com quem é mais velho). É claro que os irmãos são brinquedos muito complexos que chegam à vida duma criança vindo equipados sem folheto de instruções. E não são programáveis (o que, consoante os dias, pode ser uma desvantagem). Mas se valem o que valem, ao longo dos anos, apesar das atitudes desengonçadas dos pais, é porque as suas qualidades resistem a quase tudo.

 

Mas haja cuidado: os conflitos entre os irmãos têm, sobretudo, a ver com a injustiça dos pais. E, isso sim, é o maior dos desperdícios e maior dos riscos dum irmão. Que não pode ter nessa continuada falta de jeito que eles possam ter uma ameaça a um bem tão precioso e tão mágico como esse. Porque um irmão, um irmão de verdade, não é só um brinquedo que fala: tem um coração tão fofo e um génio tão apurado que, por mais que os pais valham o que valem (e sejam coração e sejam luz) o mundo sem um irmão nunca seria essa espécie de céu (com o frenesi duma fantástica feira) que pode ser.

 

 

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/6677-o-melhor-brinquedo?start=1

publicado por salinhadossonhos às 03:39
Terça-feira, 18 / 03 / 14

Pedido de uma criança a seus pais.

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Esse é um texto que recebi logo que meu filho entrou no jardim de infância, mas que já li por aí também e ao qual recorro algumas vezes por ano, para me lembrar do que é fundamental para uma criança. Espero que inspire essa semana que começa. Chama-se Pedido de uma criança a seus pais.

 

Não tenham medo de serem firmes comigo. Prefiro assim. Isto faz com que eu me sinta mais seguro. 

Não me estraguem. Sei que não devo ter tudo o que peço. Só estou experimentando vocês.

Não deixem que eu adquira maus hábitos. Dependo de vocês para saber o que é certo, o que é errado.

Não me corrijam com raiva, nem na presença de estranhos. Aprenderei muito mais se me falarem com calma e em particular.

Não me protejam das conseqüências de meus erros. Às vezes eu preciso aprender pelo caminho áspero. 

Não me impeçam de praticar o que já aprendi, pois é através de minhas experiências no mundo que posso me reconhecer como ser.

Não levem muito à sério as minhas pequenas dores. Necessito delas para poder amadurecer. 

Não sejam irritantes ao me corrigirem. Se assim o fizerem, eu poderei fazer o contrário do que me pedem. 

Não me façam promessas que não poderão cumprir depois. Lembrem-se que isto me deixa profundamente desapontada. 

Não ponham à prova a minha honestidade. Sou facilmente tentado a dizer mentiras.

Não me apresentem um Deus carrancudo e vingativo. Isto me afastaria Dele. 

Não desconversem quando faço perguntas, senão serei levado a procurar as respostas na rua todas as vezes que não as tiver em casa. 

Não se mostrem para mim como pessoas infalíveis. Ficarei extremamente chocada quando descobrir um erro de vocês. 

Não digam simplesmente que meus receios e medos são bobos. Ajudem-me a compreendê-los e vencê-los. 

Não digam que não conseguem me controlar. Eu me julgarei mais forte que vocês.

Não me tratem como uma pessoa sem personalidade. Lembrem-se que eu tenho o meu próprio modo de ser.

Não vivam me apontando os defeitos das pessoas que me cercam. Isto irá criar em mim, mais cedo ou mais tarde, o espírito de intolerância.

Não se esqueçam de que eu gosto de experimentar as coisas por mim mesma. Não queiram ensinar tudo pra mim. 

Não tenham vergonha de dizer que me amam. Eu necessito desse carinho e amor para poder transmiti-lo à vocês e aos outros. 

Não desistam nunca de me ensinarem o bem, mesmo quando eu parecer não estar aprendendo.  Insistam através do exemplo e, no futuro, vocês verão em mim, o fruto daquilo que plantaram.

Não achei o autor, mas é atribuído a Fenix Faustine, de quem tão pouco encontrei referências confiáveis. De qualquer maneira, é um bom guia, não?

 

http://antesqueelescrescam.com/2014/03/09/um-pedido-aos-meus-pais/

publicado por salinhadossonhos às 16:22

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