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Terça-feira, 16 / 06 / 15

DÉFICE DE ATENÇÃO E PERTURBAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO NA INFÂNCIA

Especialista defende que não é um transtorno de défice de atenção mas, sim, um transtorno de variabilidade da atenção por incapacidade de controlo, inibição e adequação comportamental

Vivemos numa época em que é comum encontrarmos crianças que parecem simplesmente não se interessar por nada. A escola não as motiva, as relações com os amigos e com os colegas são escassas e, por vezes, complicadas. Os mais pequenos vivem alheados na sua hipoatividade ou na sua hiperatividade. Não focam, não planeiam e não concretizam. Infelizmente as crianças e os adolescentes que apresentam este tipo de sintomas são usualmente diagnosticadas com perturbação de hiperatividade e défice de atenção (as siglas de PHDA) e medicadas em função de uma eventual disfunção cerebral por falta de dopamina na região do córtex pré-frontal, que afeta o desenvolvimento das funções executivas do cérebro.

Atualmente estima-se que 90% das crianças diagnosticadas não tenham efetivamente um metabolismo anormal da dopamina que é o que verdadeiramente caracteriza esta perturbação. O que é que se passa então com estas crianças/adolescentes? Numa pesquisa feita recentemente, a especialista Nicole Brown concluiu que algumas crianças diagnosticadas com este problema sofrem, em primeiro lugar, de outros temas que nenhum estimulante pode tratar. Independentemente de poderem vir a ter um diagnóstico de PHDA, a verdade é que existem fatores emocionais que estão a desencadear os sintomas verificados e que têm que ser tratados, antes de se pensar em qualquer alternativa farmacológica. Défice de atenção ou perturbação de concentração então?

Muito se tem discutido se esta perturbação é física e/ou emocional, no sentido da existência ou não de um transtorno cerebral. Uma discussão insípida, na medida em que exista ou não na criança um compromisso a nível cerebral (apenas confirmado através de exames ao cérebro), existem sempre fatores emocionais que contribuem para o aparecimento dos sintomas verificados e que são irmãos gémeos de um funcionamento neurofisiológico/emocional que dificulta o foco, a atenção voluntária, o domínio de si e a escolha intencional. A verdade é que, infelizmente, o aumento exponencial do número de crianças medicadas tem origem na crença de que se trata de uma perturbação biológica.

A diferença entre a percentagem de crianças diagnosticadas com PHDA em países como os Estados Unidos da América e em França é de 9% para 0,5%, respetivamente, porque em França se acredita que é um distúrbio de origem psicossocial, que deve ser tratado com psicoterapia e aconselhamento familiar. Ainda vivemos numa época em que as intervenções em crianças com condutas concordantes com o diagnóstico de PHDA se baseiam muito na procura soluções rápidas, fáceis e eficazes, pelo menos a curto prazo.

É o reflexo desta ditadura de sucesso em que vivemos. Generalizou-se a intervenção farmacológica, através da utilização do metilfenidato (componente da medicação psicostimulante utilizada) já considerado um gadget da modernidade e a intervenção de tipo cognitivo-comportamental, com o objetivo de influenciar/alterar o comportamento da criança, de forma a melhorar a sua conduta, o seu desempenho e o seu rendimento académico.

As (más) abordagens atuais

Estes não atuam, contudo, na causa, no que estás por detrás de todos os sintomas evidenciados. Acredito que mesmo nas situações em que se verifica um comprometimento no funcionamento físico do organismo, o que nem sempre acontece. Existem situações em que este ficou interrompido por fatores emocionais regredidos que colocaram o corpo num estado de depressão interna, de fuga e de alheamento, que não permitiu o salutar desenvolvimento do córtex pré-frontal e com ele a possibilidade de modular os estímulos sensoriais e emocionais. A perturbação de hiperatividade e défice de atenção não é um transtorno de défice de atenção mas, sim, um transtorno de variabilidade da atenção por incapacidade de controlo, inibição e adequação comportamental.

São questões emocionais inconscientes que estão na base de 80% dos índices de distratibilidade. Nada disto pode continuar a ser deixado ao acaso. É fundamental que os profissionais de saúde se consciencializem que não podem continuar a olhar para as disfunções neurofisiológicas de forma isolada mas sim, como o reflexo de um mecanismo composto pela tríade corpo, mente e espírito, que se encontra bloqueada. É preciso trazer estes jovens de volta à vida e ir à raiz deste funcionamento psicofisiológico.

O maior compromisso que estas crianças e adolescentes apresentam é um compromisso consigo próprias e com a sua capacidade de adequação ao mundo. Os seus padrões comportamentais não são mais do que a externalização do mal-estar interno que governa as suas vidas. E os seus corpos são o reflexo disso!

Texto: Ana Galhardo Simões (psicoterapeuta corporal que integra o projeto Psicologia-corporal.com)

artigo do parceiro:
publicado por salinhadossonhos às 02:58
Terça-feira, 21 / 04 / 15

Alfabetização precoce é perda de tempo

Para acontecer com sucesso, a alfabetização deve esperar que etapas anteriores estejam muito bem construídas e assimiladas.

Passamos tanto tempo recebendo e transmitindo informações por meio da linguagem escrita que ela nos parece quase tão espontânea quanto a comunicação oral. No entanto, não há nada de natural na leitura. Não existe no cérebro nenhuma sequer região especialmente dedicada à decodificação de símbolos que representem palavras. Trata-se de uma habilidade tão complexa que o cérebro precisa se adaptar a ela, criando um circuito neural que envolve diversas áreas - visual, auditiva e de linguagem.

A maioria de nós esqueceu como foi lento e trabalhoso o processo de aquisição da capacidade de leitura. O fato é que essa transformação no cérebro não acontece e nem pode acontecer de uma hora para outra. É um trabalho em etapas que, por ansiedade dos pais e como consequência inesperada da incorporação do antigo pré ao sistema básico de ensino, em 2004, vem sendo antecipado por muitas instituições de ensino no Brasil.

Não seria lógico concluir que, por se tratar de algo complexo, a linguagem escrita deveria começar a ser ensinada o quanto antes? Sim e não: se considerarmos que o contato com os livros, as brincadeiras de consciência fonológica, as histórias e as rimas recitadas e cantadas estão formando conexões no cérebro que serão importantes para a aquisição da capacidade de ler, esse processo deve sim começar cedo. Já a alfabetização propriamente dita, para acontecer com sucesso, deve esperar que etapas anteriores estejam muito bem construídas e assimiladas. No entanto, grande parte as escolas e muitos pais esperam que as crianças cheguem ao segundo ano sabendo ler e escrever. Neste nível, a maioria dos alunos tem entre cinco e seis anos de idade - fase em que não estão neurologicamente prontos para começar a ler. Algumas áreas do cérebro envolvidas na leitura, como o giro angular, não estão suficientemente desenvolvidas para que a decodificação faça algum sentido.

Muitas crianças memorizam letras ou mesmo sílabas, reproduzem palavras inteiras e escrevem seu nome por volta dos quatro anos de idade - o que não significa que isso tudo esteja sendo compreendido por elas. Na verdade, nessa idade elas têm uma memória excelente, mas geralmente não estão maduras para entender a linguagem escrita.

Estudos mostram que essa maturidade geralmente ocorre entre seis de sete anos, quando acontece o que o neurocientista cognitivo Stanislas Dehaene chama de "revolução mental" em seu livro Os Neurônios da Leitura (Penso Editora). É quando a criança começa a perceber que a palavra pode ser quebrada em diferentes fonemas. No entanto, nenhum cérebro é igual ao outro e sempre haverá variações na facilidade com que cada um se familiariza com a linguagem escrita, o que traz à escola o desafio de conhecer e respeitar o ritmo dos alunos.

Antes de estabelecer a chamada consciência fonológica, portanto, forçar a alfabetização é perda de tempo. Um tempo que pode ser muito bem aproveitado, pois crianças em idade pré-escolar estão em pleno desenvolvimento de sua consciência metalinguística e ampliando diariamente seu vocabulário. Estudos mostram que, aos três anos de idade, elas ganham a capacidade de absorver a quantidade impressionante de até 20 palavras novas por dia, enquanto assimilam naturalmente complexas regras gramaticais.

Em vez de forçar um cérebro ainda imaturo a relacionar letras a sons, poderiam estar exercitando a linguagem oral e suas habilidades metalinguísticas e, assim, familiarizando-se com a complexidade das construções sintáticas que seu idioma oferece. Muito mais importante que começar cedo é relacionar a leitura a algo agradável e prazeroso e não a um desafio penoso. Para isso, é necessário que pais e educadores respeitem o ritmo e a maturidade de criança para então iniciar a alfabetização.

http://www.brasilpost.com.br/michele-muller/alfabetizacao-precoce-e-p_b_7019166.html

publicado por salinhadossonhos às 19:33
Terça-feira, 14 / 04 / 15

Programa de Intervenção “Transição para o 1.º Ciclo”

Programa de Intervenção “Transição para o 1.º Ciclo”

 

Informamos os Encarregados de Educação que, a partir do dia 14 de Abril, se dará início ao programa “Transição para o 1.º Ciclo”, com as crianças da sala dos 5 anos. As sessões serão dinamizadas pela Psicóloga estagiária, sob orientação da Psicóloga da instituição e pela Educadora. O programa terá um total de 8 sessões semanais, de 45 minutos cada.

O presente programa será desenvolvido com a finalidade de promover uma adaptação saudável perante o novo contexto escolar, dando principal foco às competências sociais, autoestima e autocontrolo. No final do programa será realizada uma visita à escola do 1.º ciclo mais próxima, com o objetivo de aproximar as crianças ao novo espaço.

Todas as atividades terão um carater dinâmico e divertido, o que irá facilitar a aprendizagem e o trabalho em grupo, desenvolvendo estratégias/técnicas de aprendizagem e reflexão sobre diferentes áreas de estudo.

 

publicado por salinhadossonhos às 22:26
Terça-feira, 24 / 03 / 15

Tudo é eterno

Escrito por Eduardo Sá Sexta, 11 Abril 2014 

Muitos professores são, muitas vezes, tios e, mesmo não devendo, são um bocadinho pais.

A escola é uma sala de estar, tem de aconchegar! Um professor de verdade educa antes de ensinar e é por isso que muitos professores são, muitas vezes, tios e, mesmo não devendo, são um bocadinho pais.

  1. Na verdade, nada é tão linear como parece. Nem as crianças são pequenas, nem os seus pais crescidos, como aparentam. Elas nem sempre crescem. E eles voltam, por entro, muitas vezes, para trás. Com o tempo há quem se torne jovem. E quem, entre as oportunidades que tem para crescer, vacile e envelheça. Com o tempo, há quem se torne ingénuo e sábio, arrebatado, amável, terno ou buliçoso. E quem azede, adoçando a ira de euforia. Com o tempo há quem - de cada vez que muda queira começar do zero (como quem deixa de si quase tudo para trás). E há quem recrie tudo o que sabe, nunca partindo sem que leve aquilo que os outros teimam em deixar. Para quem envelhece nada é eterno. Para quem se recria tudo é para sempre. Quem envelhece morre todos os dias, um pouco mais. Quem se recria torna-se jovem, sempre que aprende.
  1. Na verdade, nada é tão linear como parece. E é por isso que eu imagino que, um dia, a escola deixe as linhas direitas e se desarrume um bocadinho. E mais pareça uma praça muito grande, onde, a par de todas as matérias que as crianças tenham de aprender, haja um senhor, com bigodes retorcidos e rosetas afogueadas, tomando conta do sorriso, que as torne brincadoras. E lhes explique - devagarinho, se for preciso – que brincar é aprender. As crianças deviam ter recreios de compensação até que aprendessem a brincar. E ninguém as devia largar enquanto não abafassem berlindes, jogassem ao lenço ou à macaca, porque primeiro liga-se o corpo e aquilo que se sente e, só depois, o que se sabe com tudo o que se aprende. É por isso, certamente, que, ao contrário dos sabichões, os sábios nunca são enfadonhos. E um dia, para além da história que vem nos compêndios que cheiram bem, a D. Perpétua, que distribui graçolas com os jornais que vende, todos os dias, devia ensinar às crianças que, tão importante como a conjugação dos verbos e a gramática, a aritmética ou a matemática, é bom chorar no cinema, quando tem de ser. E só se aprende uma história, seja a de um rei ou a de um peixe com memória de grilo, por exemplo quando ela entra por nós sem nenhum «se faz favor!?...» e fi ca, em parte incerta, cavaqueando baixinho. E que o senhor do talho, que empurra o mundo com o avental, avalie com todo o rigor se cada criança é capaz de rir até às lágrimas, antes de ousar pegar no lápis e escrever aquilo que se acotovela na imaginação. Na verdade, o riso é amigo do espanto. E quem não se espanta nunca aprende que um problema é sempre muito mais importante do que qualquer solução. Ah! E se houver um Doutor Valeroso, de óculos descaídos, que não ensine o português antes de as crianças aprenderem a ir ao último capítulo, logo depois de passarem pela casa da partida, será demais. Como é bom atropelar a imaginação sempre que se adivinha! Sem nunca, mesmo nunca, confundir sonho e devaneio! A escola é uma sala de estar. Tem de aconchegar! E precisa de explicar, ao mesmo tempo, que compreender não é condescender. E que um professor de verdade educa antes de ensinar e é por isso que muitos professores são, muitas vezes, tios e, mesmo não devendo, são um bocadinho pais. A escola devia ser, também, um banco de jardim. E devia pôr, no lugar da unicidade, a pluralidade: diversos professores, muitos amigos, os pais num entra e sai, mais a D. Perpétua, o senhor das rosetas e o homem do talho que educam melhor, e põem mais longe no olhar. A escola devia ter um cantinho, para cada um. E um diretor de turma devia dar poucas aulas. Muito poucas. E devia telefonar, a perguntar pela constipação da Constança e devia fechar a escola, sempre que uma criança se zangasse com ela e a abandonasse. E sempre que uma criança reprovasse duas vezes, devia considera-la em perigo. Não tanto a criança, mas a escola e a família (que parecem distraídas, uma com a outra, e não a conhecem).
  1. A escola é uma praça, uma sala de estar e um banco de jardim. E, com o tempo, devia tornar ingénuos e sábios, arrebatados, amáveis, ternos ou buliçosos todos aqueles que vacilam e envelhecem. Para quem envelhece nada é eterno. Para quem aprende tudo é para sempre.. A escola devia ter um cantinho, para cada um. O diretor de turma devia fechar a escola, sempre que uma criança se zangasse com ela e a abandonasse.

 

Crónica da edição de março de 2009.

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7034-tudo-e-eterno

publicado por salinhadossonhos às 17:27
Terça-feira, 17 / 03 / 15

Amo-te, pai

 

 Seja como for, não se deve temer pela saúde duma criança sempre que ela poupe o pai a todos os “likes” que desperdiça no Facebook

Embora se apresente em diversos tamanhos, o pai pode ser usado todos os dias, sem causar habituação. Habitualmente, pela manhã, o pai pode ser administrado numa dose ligeira, o que implica acordar os filhos, gritar para que se despachem (enquanto faz, atabalhoadamente, a barba) e ameaçar, como de costume, que não espera nem mais um minuto, depois de buzinar duas vezes, até que os filhos desçam, sem atrasos, para irem para a escola. Há, também, quem use uma porção, mais ou menos variável, de pai, ao fim do dia, o que inclui dar a voz de comando em relação ao banho, lutar contra as dúvidas de matemática que se acotovelam quando os trabalhos de casa puxam pelo sono, e ler (nunca contar...) uma história, antes de dormir. Muito raramente, há quem use o pai durante a noite, para caçar “fantasmas”, nos maus sonhos, ou quando uma dor de barriga vem a calhar, sempre que se descobre (a altas horas) que os trabalhos de casa se perderam entre a sala de aula e o caminho para casa. Por mais que haja quem recomende que isso se trata duma adição muito perigosa, há quem consuma, ainda, doses generosas de pai, ao fim-de-semana. E, claro, quem sofra do perigoso distúrbio de não passar sem ele, antes e depois da escola, enquanto se esgadanham os dois atrás duma bola ou sempre que contam histórias e piadas palermas e divertidas, enquanto se martirizam com as almofadas e deixam o sofá num estado de sítio.

Tanto pai pode, de facto, fazer mal a uma criança! Daí que se deva considerar que um  estado normal de pai (que deixa uma criança à margem de intoxicações delicadas)  é que ele seja sentido como se não tivesse coração, fosse trôpego com as palavras, tivesse um atrapalhador no lugar do coração e, sempre que são precisos gestos claros e calorosos de ternura, que ele mais pareça um prestidigitador. Ou que seja mais ou menos natural que o pai não se lembre dum aniversário importante, do nome da diretora de turma, dos dias dos testes ou das disciplinas dum filho, por exemplo. Ou que se entenda como um ato de gestão corrente que, sempre que um filho compartilha desabafos, o faça com a mãe e que, depois dela os dividir com ele, o pai faça de distraído (até porque isso leva a que os filhos falem com ele por meias-palavras e por entre linhas, como se, em vez dum homem generoso e palpitante, o pai fosse, consoante “o fumo” que lhe esvoaça das orelhas, um vulcão adormecido). Ou que se convencione que um pai trabalha muito e que, por causa disso, a gritaria lá em casa baixa de tom mal ele esteja para chegar! Ou que, consoante os casos, a mãe, depois de se esganiçar, acabe a dizer: “Não tarda nada, chega o teu pai, e tu vais ver!...” (como se, em vez do Pai Natal, o pai fosse uma versão, com fato e gravata, do lobo mau). Ou − ainda, que o pai mereça mimos e abraços (ou venha de lá um: “paizão, gosto muito de ti”!) unicamente quando o “rendimento social de inserção” dum filho, entretanto, se “constipou”, e a mesada dele precisa de ser aconchegada com uma emissão... de dívida. Ou − e a lista de sintomas “anti-inflamatórios” parece, felizmente, nunca mais acabar! − que se ache razoável que o pai exagere nas vezes em que faz de “homem-invisível” e sempre que, finalmente, ele se chega à frente, todos concordem que aquele momento... nunca existiu, dando à sua autoridade um leve tom de “missão impossível” (sem que, no entretanto, ele lucre com o glamour dum protagonista e que, em vez de se fazer transportar num coração que mais parece uma limousine, o pai, com o barulho das luzes, antes fosse um verdadeiro anti-herói).
Todos estes embalagens de pai são vulgares e equivalem às diversas cores com que se revestem as drageias ou os comprimidos. Devem ser administradas com cuidado e, sendo assim, podem ser deixadas ao alcance das crianças. Seja como for, não se deve temer pela saúde duma criança sempre que ela poupe o pai a todos os “likes” que desperdiça no Facebook. Ou sempre que o reconhece tão capaz de intuir e de resolver aquilo que ela, ainda, mal pensou, que o viva em “modo de voo”, sempre desligada dos gestos guerreiros que cobrem de vaidade qualquer pai.
É claro que o amor do pai talvez traga consigo uma ligeira alteração da temperatura do corpo: é natural que os filhos, bem amados pelo pai, não sejam tão afoitos e perseverantes como deviam porque − com a mesma desenvoltura com que chamam pela mãe, mal lhes dói seja o que for − logo que falam “tu cá, tu lá” com uma contrariedade, terminam sempre a reconhecer que o pai a... resolve. E aí, sim, o estado geral duma criança corre perigos severos. Porque, regra  geral, confere a um pai um estatuto de super-herói, com a imensa vantagem dele não ter que se mascarar para evocar os seus poderes. E, é claro, que o coloca ali entre um bombeiro e um mágico (o que, não lhe dando um descanso por aí além,  evoca um lado amigo do “bricolage” que lhe alimenta uma aura de faz-tudo, sem direito a férias, fins-de-semana ou feriados).
Em circunstâncias-limite, tanto pai gera um estado inflamatório exuberante, que torna uma criança um bocadinho desgovernada do juízo podendo acontecer que, depois de se colocar às suas cavalitas, ela dobre o riso enquanto ele a lança ao ar e a transforma num... aviãozinho.
Há quem, no entanto, reconheça que, enquanto a mãe a acalenta, o pai faça de conta que tem “nervos de aço” e, depois de encher o peito de ar, e de coração apertado, dê um empurrãozinho no rabo duma criança enquanto a faz ter um pouco mais de mundo. Mas todo o cuidado é pouco! Até porque há relatos − preocupantes! − que, garantem que há pais que fingem ser um gigantão e, depois de se porem em bicos de pés e de esticarem os braços o mais que podem, levam os filhos a acreditar que chegam às nuvens ou que arranharam os céus...

É por estas e por outras que o uso de pai deve ser administrado com muito cuidado! Embora seja, geralmente, aceite que abraçar um pai pareça não ser um desperdício E dizer: “Amo-te, pai!” esteja para o coração paterno como a chave completa para o Euromilhões...

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7283-amo-te-pai

publicado por salinhadossonhos às 17:22
Terça-feira, 10 / 03 / 15

É fácil estragar um filho

Escrito por Eduardo Sá Quarta, 18 Junho 2014 

 Não é verdade que as crianças deviam vir equipadas com manual de instruções. Mas também não acredito que, apesar desse desabafo ter virado moda, os pais – os bons pais, claro – ganhassem o que quer que fosse se isso se desse assim. E se as crianças viessem equipadas com manual de instruções?

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Não é verdade que as crianças deviam vir equipadas com manual de instruções. Mas também não acredito que, apesar desse desabafo ter virado moda, os pais – os bons pais, claro – ganhassem o que quer que fosse se isso se desse assim. E se as crianças viessem equipadas com manual de instruções? Os pais adormeciam para o “equipamento de base” indispensável de que dispõem para serem bons pais: o sexto sentido (que é uma espécie de instinto de adivinhar, que os habilita para ler as meias-palavras, as entrelinhas e os silêncios dos filhos), o bom senso (que os leva, antes de esgotarem as suas quotas de parvoíce, a chegar “num pulo” ao sentido de justiça) e o coração grande (e a cabeça quente) com que se vai da ternura, ao carinho e à bondade.

 Os pais não precisam, portanto, de um manual de instruções para serem bons pais! Por mais que menos irmãos, menos sobrinhos e menos afilhados, no seu crescimento, representem menos oportunidades para apanharem o jeito de ler e de legendar as manhas, as manias e o jeito de amar (imenso mas desengonçado) de todas as crianças. E não precisam dele mesmo que menos crianças a nascer não pressuponha mais oportunidades para serem melhores pais. Os pais precisam, isso sim, de se aventurar pelas suas experiências de filhos e de ser tagarelas, todos os dias, com essas memórias, de mansinho. Mesmo que, amassados por elas, às vezes o coração se feche e dê um nó e desse modo eles descubram que há pessoas que até quando choram são bonitas.

Os pais não precisam de um manual de instruções para serem bons pais! E, muito menos, de serem – pai e mãe – concertados nas opiniões que têm acerca dos comportamentos e dos trejeitos das crianças. É, portanto, mentira que os bons pais para serem irrepreensíveis como pais, estejam proibidos de discordar ou de discutir. E, muito menos (por mais ternurenta que seja a convicção profunda com que o afirmam) que jamais se possam desautorizar um à frente do outro – e ambos “nas barbas” duma criança – como se ela, sempre que sente o olhar dos dois em rota de colisão, não descortinasse nas suas testas “luzinhas” de cores contraditórias a acender e a apagar. Sempre que os pais se juntam num só erro cada um é para o outro o manual de instruções que lhe faz falta!

 Os pais não precisam de um manual de instruções para serem bons pais! Porque isso talvez os leve a querer serem exemplares. Ou irrepreensíveis. Ou bem comportados. Ou aprumados. Ou atilados, até... Sempre que exigem ser mais ou menos perfeitos falta-lhes, isso sim, um bocadinho de alma e de insolência no coração para que, em cada uma das suas hesitações, encontrem o fio da meada dum novo manual de instruções. É bom, por isso, que (no meio duma birra de pais) eles “fervam em pouca água!”. Ou que tenham o coração ao pé da boca. Ou, sempre que se enfurecem, digam o que querem e o que não querem. As crianças não tiram os pais do sério: devolvem-nos ao sério! Afinal, sempre que erram muitas vezes, as crianças não deixam que os pais fiquem sempre presos ao mesmo erro!

Os pais não precisam de um manual de instruções para serem bons pais! Porque isso talvez os levasse a ignorar que, depois das crianças, os melhores manuais de instruções de que dispõem são a sua própria infância e os pais que eles tiveram. Mas serão os pais... bons filhos? Não no sentido de dizerem sim a todos os caprichos dos seus pais, a nunca os contrariarem ou a serem uma espécie de seus “oficiais às suas ordens”, mas de lhes darem colo e carinho, de falarem por eles (mesmo quando se trata de se aventurarem pelos seus silêncios), ou de exigirem ser escutados (em vez de se ficarem por mais um: “ele não vai entender”)? Serão os pais bons filhos, quando se trata se reconhecerem nos seus próprios pais a sabedoria que faz com que eles sejam, para sempre, a sua “entidade reguladora”, e não vacilando, sequer, mal eles ameaçam desistir, os proíbem de começar a morrer? Será a maioria dos pais bons filhos? Não! E será que podemos ser bons pais e maus filhos, ao mesmo tempo? Também não! Sendo assim, há um manual de instruções escondido na maneira com que os pais se resgatam para que sejam, hoje, pelos seus seus gestos, os filhos que desejaram toda a vida vir a ser: para serem bons pais, não precisam de manuais; basta que se sejam bons filhos!

 Em resumo, é fácil estragar um filho: eduque-o com um manual de instruções! Daqueles que acham que a escola é mais importante que a família, que brincar vale menos que aprender, e que as histórias, ao pé dos algarismos estão sempre a mais. Ou daqueles que se alarmam sempre que as crianças “falam pelos cotovelos” ou fazem tudo para não perderem a “língua de perguntador”. Ou de outros, ainda, que recomendam que as crianças só devem ser repreendidas sempre que aceitam ser contrariadas. É fácil estragar um filho. A fórmula para isso será mais ou menos assim: quanto mais manuais, piores pais!

Mas se os quiser ignorar, não perca de vista que os pais não precisam de um manual de instruções! Porque isso pressupõe que por trás duma criança há sempre uma dor de cabeça, e que eles, para que sejam especiais, terão de ser pais-aspirina. É, portanto, indispensável que os pais errem! Muitas vezes! E que, de problema em problema, casem errar com aprender.

 

Assim, talvez os pais nunca percam de vista que os melhores manuais sobre as crianças são os erros. Dos pais!

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7159-e-facil-estragar-um-filho

publicado por salinhadossonhos às 17:24
Terça-feira, 03 / 03 / 15

Provavelmente

Escrito por Eduardo Sá Quinta, 26 Junho 2014  

O que me parece fascinante é que as crianças, logo depois de dizerem “porquê”, pareçam tão capazes de dizer “provavelmente”.

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Por outras palavras: sentir é interpretar. E, sendo assim, aprende-se a ler nos olhos de quem nos lê. Os livros, esses, lêem-se nos olhos de quem no-los lê.

 

Vou contar-vos uma história do meu querido amigo João Carlos Gomes Pedro. Irei, seguramente, adulterá-la. Porque não conseguirei reproduzir todo o afeto com que a escutei. Mas a sabedoria que ressalta da história é tão contagiante que decidi, com a licença do meu amigo, compartilhá-la convosco.)

1. Era uma vez um rei que reuniu todos os sábios do seu reino e pediu-lhes que resumissem toda a sua biblioteca num só livro. Os sábios protestaram, considerando que a tarefa estaria muito para além do seu engenho. Como o rei não lhes deu alternativa, resignaram-se e, cinco anos depois, trouxeram-lhe um livro com 600 páginas. O rei, depois de o ler, chamou-os. E pediu-lhes que o resumissem numa folha. Os sábios, se bem que tenham protestado, recolheram-se por cinco anos mais, tentando cumprir a sua vontade. Depois de ler a folha, o rei convocou-os, uma última vez. E pediu-lhes que a sintetizassem numa única palavra. Recolhidos de novo, os sábios, ao fim de cinco anos, regressaram com tão engenhosa tarefa já vencida. Entregaram--lhe um pequeno papel, onde, com delicadeza, a traziam escrita. O rei, desdobrou o papel e leu-a, de forma atenta e curiosa. A palavra era: “provavelmente”.

 

2. Há muito tempo, chamava a atenção para o modo como as crianças, primeiro, aprendem a dizer “não”. Só depois, dizem “sim”. Mais tarde, usam o “porquê”. Para que, de seguida, digam “eu”. “Provavelmente” será, entre todas as palavras, aquela para a qual as crianças estão aptas, desde sempre, para compreender mas só quando se tornam sábias a irão aprender a usar. Talvez porque só quem diga “não” e “sim”, “porquê” e “eu”, ao mesmo tempo, consiga – então – dizer “provavelmente”.

 

3. O que me parece fascinante é que as crianças, logo depois de dizerem “porquê”, pareçam tão capazes de dizer “provavelmente”. Dizem--no, de forma mais ou menos implícita, quando, por exemplo, ainda muito pequenas, usam “termos caros” e, sem saberem o seu significado os utilizam de forma irrepreensível. Tudo como se dissessem, por outras palavras, “provavelmente”. Porque é que, então, quem está tão apto, desde tão cedo, para ler o mundo e as pessoas, se torna, tantas vezes, incapaz de ser amigo da leitura? Se nascemos tão capazes de ler o significado das palavras, e de o ler nas entrelinhas, o que fará com que as palavras se tornem, tantas vezes, inimigas da leitura? Porque é que, aparentemente, a escola – quando não deixa que se converse ou quando manda de castigo um aluno para a biblioteca – parece estragar a capacidade que todos temos para dizer “provavelmente”?

 

4. Não é possível que as crianças aprendam sobre tudo enquanto desconhecem quem têm junto a si. Sendo assim, aprendem a ler quando, na dança de apelos que existe entre o bebé e a mãe, ganha sentido uma fórmula cara a Hugo: “lê-me, lê-me para que eu te possa ler”. Antes de lerem palavras as crianças interpretam sentimentos, numa reciprocidade em que é expectável que a mãe lhos legende de acordo com aquilo que eles sentem.

 

Ler não é, então, juntar letras e palavras: é conjugar sentimentos. Mas, sendo assim, quando começamos a ler: quando se articulam os sons e os transformamos em palavras, ou quando as interpretamos? Quando interpretamos as palavras. Mas será que interpretamos os outros sem nos interpretarmos neles? Não! E é possível ler sem escutar? É.

 

5. Por outras palavras: sentir é interpretar. E, sendo assim, aprende-se a ler nos olhos de quem nos lê. Os livros, esses, lêem-se nos olhos de quem no-los lê. Ou, ainda (como se fosse uma operação matemática): ver x escutar = ler! Isto é: a educação musical e a educação visual são os melhores amigos da leitura. Já escrever supõe que sinto, que vejo, que escuto e que desenho. Ou seja: um corpo mal-educado para a tonicidade, para o movimento e para o ritmo zanga-se com a escrita. Já escutar e desenhar, dizer “não” e “sim”, “porquê” e “eu” tornam-nos, então, capazes de transformar todos os livros num só “provavelmente”.

publicado por salinhadossonhos às 17:25
Terça-feira, 24 / 02 / 15

Divórcio não, obrigado!

Escrito por Eduardo Sá Quinta, 03 Julho 2014 

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 A separação exige sempre melhores pais. São muitos os momentos de mágoa. Esperar que seja um tribunal a mediar cada um desses momentos é judicializar a parentalidade.

 

1. Tenho dito que talvez haja três tipos de relações de casal. As mais frequentes serão amizades coloridas. As outras, ‘contas de poupança-reforma’. E haverá, ainda, uma esmagadora minoria de uniões de facto (por dentro) que, entre todas, serão aquelas que melhor se aproximam da ideia de casamento.

Se a complexidade de uma relação amorosa se torna, tantas vezes, tão difícil de gerir, os descuidos e os desamparos cumulativos que pode gerar tornam-na dolorosa. Será em consequência dessas dores (que se enovelam) que as pessoas se vão afastando, por dentro, devagarinho. E quando uma delas o assume (em função de um período de sofrimento pessoal que a interpela, ou em consequência da comparação entre os pequenos gestos que alguém lhe disponibiliza no local de trabalho, por exemplo, e as rotinas entediantes do casamento) não é justo que a outra se declare, diante de um apelo à verdade, ‘apanhada de surpresa’. Ou que eleja um vilão que, supostamente, tenha inquinado um grande amor. Na verdade, todos os divórcios se dão por mútuo consentimento.

São as pessoas que mais contribuem para um divórcio que mais se foram sentindo credoras do consentimento a dar num acordo de divórcio (sendo as pensões de alimentos ou as contrapartidas patrimoniais o ‘dote de alforria’ com que se negociava a assinatura do divórcio e, pior, a partilha das responsabilidades parentais sobre os filhos desse casal).

Aliás, era absurdo, como foi acontecendo nalgumas circunstâncias, que um dos elementos do casal, que pretendia divorciar-se, tivesse de fazer prova da culpa do outro como se só os factos irrefutáveis parecessem prevalecer sobre os vínculos amorosos que terão definhado e morrido numa relação.

2. Tudo seria mais simples se as pessoas, ao afastarem-se por dentro, pudessem mobilizar a maturidade que as desligasse por fora. Mas porque foram acumulando ressentimentos, como se foram descuidando aos mais diversos níveis e como se foram enredando em compromissos intermináveis (que, ao mesmo tempo, as prendem e as desligam), muitas separações transformam-se em divórcios que, por mais que pareçam por comum acordo, não deixam de ser mais ou menos litigiosos. Mais, ainda, quando se partilham bens e se divide a parentalidade em relação a algumas crianças.

3. Dos 47857 casamentos que, em 2006, se deram em Portugal, 20,6 por cento correspondem a pessoas divorciadas que voltaram a casar, embora no mesmo ano se tenham decretado 23935 divórcios (6 por cento dos quais litigiosos quando, em 1980, a percentagem de litigiosidade foi de 38 por cento). Haverá, portanto, cada vez mais divórcios embora isso talvez não corresponda ao modo como o casamento parece estar a cair em descrédito.

4. Será razoável que as pessoas se divorciem? É. Porquê? Porque entre estarem divorciadas por dentro e casadas por fora, e divorciadas por fora e ligadas por dentro, a segunda hipótese as protegerá mais a elas e aos seus filhos. Poder-se-á afirmar – como dizem alguns – que uma resposta judicial mais ágil e mais simples poderá ser benevolente para com os impulsos para o divórcio de muitas pessoas? Não. Porque se um casal privilegia o divórcio impulsivo a tudo o que, supostamente, o liga talvez nunca tenha estado casado por dentro, por mais que do ponto de vista do direito não seja assim.

É sensato, ainda, que as compensações financeiras de um dos membros do casal em relação ao outro sejam temporizadas e justas? Claro. Não será razoável que as pensões de alimentos ao ex-cônjugue se eternizem e, muito menos, que algumas representem formas de usufruir de ganhos que mais parecem modos de exploração (a pretexto das crianças) por parte de um dos pais em relação ao outro. Se os pais assumem a parentalidade devem reunir recursos para a viabilizarem. Já quando violam as responsabilidades judiciais que, livremente, assumem (seja em relação às prestações monetárias como aos compromissos para com os seus filhos) e, depois, reclamam os seus direitos de pais, devem merecer penalizações (que, finalmente, parecem estar a ser ponderadas, contrariando a total impunidade com que muitos pais foram injuriando os direitos dos seus filhos e a ideia de um bem-comum, condensado na lei).

5. A separação exige sempre melhores pais. Porque introduz níveis de complexidade crescente numa relação e porque são muitos os momentos escorregadios em que todos se podem magoar. Esperar que seja um tribunal a mediar cada um desses momentos é judicializar a prentalidade. Isto é, assumir que só se consegue ser pai ou mãe sob a tutela de um juiz, o que devia merecer, de imediato, que os filhos desse casal fossem considerados em perigo. Perigo maior, aliás, que se dá quando (em vez de se separarem) se divorciam por dentro e por fora. Nessas circunstâncias, um divórcio faz mal, de forma irreparável, a uma criança. Não pela facilidade com que os pais se divorciam. Mas pela falta de qualidades para a parentalidade que um divórcio judicial, simplesmente, aviva. Daí que, ponderando sobre esse exemplo, me pareça que devíamos dizer: “Divórcio não! Obrigado…”.

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7203-divorcio-nao-obrigado

publicado por salinhadossonhos às 17:29
Terça-feira, 17 / 02 / 15

A poção mágica

Há crianças verdadeiramente hiperativas, que são um tornado numa sala de aulas, mas que são raríssimas.

 

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As crianças saudáveis são, por inerência, distraídas. Ou “cabeças no ar”, como preferirem. Porque são sensíveis e imaginativas, e são atentas a todos os pormenores apelativos à sua volta. E reagem a eles, claro, em função da competitividade com que se colocam diante si. E sempre que alguém as entedia (um bocadinho, que seja) refugiam-se num conjunto de histórias, que elas mesmas produzem, como se tivessem um quarto de brinquedos na cabeça, a que os pais chamam... “macaquinhos no sótão”. Mas as crianças (todas as crianças!) são, invariavelmente, atentas sempre que alguém – pela forma simples e brilhante como lhes fala ou pelo modo apaixonado e divertido com que as solicita – faz com que os sentidos convirjam uns para os outros e pareçam (todos eles) consensuais, daí nascendo a atenção. É difícil estar-se atento! Depende do jeitinho especial de quem cativa a atenção e de se ter a cabeça mais ou menos arejada para sentir com o outro, imaginar com ele e discorrer com a sua ajuda. E, já agora, é difícil cativar a atenção, sobretudo de muitas crianças, ao mesmo tempo: é preciso que se seja sábio e singular e vivo e que se tenha muito de contador de histórias, de preferência.

Há, no entanto, dois tipos de crianças um bocadinho de candeias às avessas com a atenção. Aquelas que, seja qual for o professor que lhes fale, parecem sempre atentas, e aquelas que são compulsivamente desatentas. As primeiras, parecendo atentas, estão “em sentido”, e em vez de dominarem a atenção são dominadas pelo medo que as pessoas lhe provocam. As segundas, fugindo da atenção, escapam à frente da angústia que se atropela dentro de si. Umas e outras são, portanto, um bocadinho doentes. Se bem que as segundas ocupem mais espaço numa sala de aula, porque são crianças tão consumidas por um sofrimento que as corrói que resvalam para uma euforia estranha que parece levá-las a não sentir, a não imaginar e a não discorrer mas, unicamente, a agir (como se parar fosse, para elas, realmente, morrer). Tomando em consideração todas as crianças, a percentagem das crianças verdadeiramente hiperativas (que, para não definharem de dor, vivem num agir compulsivo) é, verdadeiramente, insignificante. Faz, felizmente, parte das doenças psicológicas muito raras das crianças!

Todas as outras crianças são tão aptas e tão ciosas da sua atenção, são tão vivas e tão interpelantes, são tão engenhosas e tão divertidas, têm tamanhas “línguas de perguntador”, são tão íntimas do “bicho carpinteiro” e falam, com tão grande mestria, “pelos cotovelos”, que a atenção depende muito d’ O Momento... Até porque também têm dias assim-assim ou longos períodos em que a vida delas parece “uma porcaria”. O que, tudo junto, as leva, volta não volta, até à “lua”. Mas se as crianças são mais ou menos assim, o que se passa, então, para que haja por aí uma tão estranha e silenciosa epidemia atípica de défices de atenção? É tentador que, sempre que uma criança parece ter dificuldades, que haja quem sugira que sofre dum qualquer “defeito de fabrico”. Ou que, sempre que ela parece não aprender, a culpa seja, invariavelmente, sua! Se, por agora, a responsabilidade da distração das crianças vai sendo dos “défices de atenção”, há alguns anos, sofriam, quase todas, de dislexia. E, há mais tempo atrás, eram, simplesmente, “burras”. Com a diferença de, atualmente, em relação à “epidemia atípica de défices de atenção”, se vá banalizando a prescrição de uma substância da família das anfetaminas.

Enquanto se insiste nos défices de atenção que elas parecem ter, não se questionam os conhecimentos e os recursos pedagógicos de alguns professores. Isto é: entre discernir acerca dos défices dum professor para cativar a atenção dum conjunto de crianças ou concluir-se, apressadamente, que elas têm um défice de atenção, o resultado fica, quase sempre, em 1 a 0 a favor dos defeitos das crianças. E é aqui que surge um ambiente quase perverso em torno disto tudo... Sim, há crianças verdadeiramente hiperativas, que são um tornado numa sala de aulas, mas que são raríssimas! Isto é: não há tantas crianças assim tão doentes. E sim, há milhares de crianças alegadamente hiperativas mas que são saudáveis, saudáveis, saudáveis (algumas que são, simplesmente vivas; outras, que estão, sobretudo, preocupadas; outras que acham o professor um bocadinho chato; etc.). E, sim, no meio desse mar de equívocos, é verdade que há muitos professores empenhados que, diante duma criança verdadeiramente hiperativa (raríssima, portanto) - e sem que disponham de formação para o efeito e à margem de qualquer apoio especializado por parte da escola (que, nalgumas circunstâncias, têm um psicólogo para cada 3 000 crianças e que, noutras, dispondo dele, não têm da sua parte as respostas à altura que serão exigíveis) - são engolidos pelo vendaval de angústia que ela traz a um grupo de meninos. E sim, finalmente, é verdade que há professores que só toleram crianças sossegadinhas e caladas (assustadas, portanto) e que, diante dum conjunto de dificuldades que elas lhe colocam, se refugiam, invariavelmente, nos défices de atenção que elas terão (havendo alguns que recomendam a tal anfetamina; outros, mais comedidos, que se ficam por sugerir um “cheirinho” de anfetaminas;  e, outros, ainda, que, a par de refugiarem qualquer dificuldade nesse diagnóstico, aconselham um ou outro médico que, seguramente, as medica). Mas serão os professores batoteiros e os professores distraídos (uma imensa minoria, seguramente) amigos da imensa maioria de professores atentos, generosos e empenhados que deviam ser, sem demagogia, equiparados, mais que ninguém, à categoria de heróis nacionais? Obviamente, não!

Por outro lado, duma forma manhosa, o “sistema educativo” vai pactuando, pelo silêncio, com esta onda de défices de atenção. Não se questionam programas, não se discute o modo como a escola funciona quase em contra-ciclo diante da “sociedade da informação”, não se interpela a insensatez de haver turmas da manhã e turmas da tarde no funcionamento diário duma escola (como se aprender num e noutro períodos fosse a mesma coisa!), não se discute o absurdo de existir escola demais na vida das crianças (como se a escola fosse mais indispensável que a família e mais importante que o brincar), nem se pede contas a quem aumenta o número de meninos nas turmas nem poupa no tempo dos recreios (com a desculpa de não existirem verbas para o pessoal auxiliar). Tudo “empurrõezinhos” amigos dos défices de atenção, portanto. Por outras palavras, se há uma entidade que ganha em distração a todos os outros, o Ministério da Educação, ao, longo dos anos, não tem tido rival! Mas quem, neste contexto todo, é mais distraído: quem se distrai de vez em quando ou quem, devendo estar atento, “assobia para o ar”, fazendo de distraído? (É, aliás, delicioso ver como o Ministério da Educação, ao mesmo tempo que privilegia a escola exclusiva, amiga dos rankings, defende a escola inclusiva, aberta a todos, por mais que, sem nunca o assumir, sugere que, diante das necessidades educativas especiais de cada criança, um professor se... amanhe.)

E será que o ambiente em casa é sempre acolhedor e amigável para com a atenção? Será que pais que são um belo exemplo de défices de atenção um para o outro, dos dois em relação a uma criança e de todos em relação à vida são um bom exemplo de atenção para uma criança? Por exemplo: será que todas crianças têm tanto tempo livre e tanto tempo de brincar e de histórias como só as crianças atentas conseguem ter? Será que a vida familiar das crianças não acaba por ser, avós à parte, muitas vezes, dum stresse permanente, com agendas diárias que as faz ter mais tempo de trabalho que os próprios pais e que, por isso, torna a agitação a melhor amiga da distração? E será que os pais são, como deviam ser, uma entidade reguladora para os trabalhos de casa que, regra geral, não adiantam quase nada a quem quer aprender e que magoam, vezes sem conta, a atenção? E será que as crianças correm, pulam e fazem asneiras como só as crianças atentas conseguem engendrar, fazendo do corpo o melhor cúmplice da atenção? E aquilo que os pais dizem dos professores, à mesa do jantar, é um bom motivo para que as crianças os admirem e respeitem e acarinhem como uma luz preciosa que as encaminha pelos desafios da atenção? Mas, sendo assim, quem tem o exclusivo dos défices de atenção? Serão só as crianças? Não é verdade que são sempre precisas duas pessoas para que haja um distraído?

E não será que, quando somos, invariavelmente, acolhedores para esse presumível diagnóstico, não lendo a realidade das crianças duma forma atenta, integrada, sintética e compreensiva não estaremos todos a sofrer, igualmente, de défices de atenção? Precisarão, então, técnicos, professores e pais de uma leve dosagem desse familiar das anfetaminas, durante o período letivo, e de segunda a sexta-feira, como se faz com inúmeras crianças? E, por fim, se estamos diante duma solução mágica para os défices de atenção não seria de a sugerirmos, para não ir mais longe, para os assessores jurídicos do Governo (evitando mais conflitos com o Tribunal Constitucional) ou para quem lê e planeia a economia (poupando crises que os terão apanhado, a todos, distraídos)? Será que, afinal, vivemos todos numa aldeia gaulesa e que – por distração, certamente – sem poção mágica... não vamos lá? É claro que é fácil ter défices de atenção. Vimos alguns dos motivos que a ajudam. Mas considerando esta “poção mágica” que parece resolver tudo e mais alguma coisa no comportamento das crianças, não será hora de deixar de insinuar que os gauleses deviam ser desclassificados num controlo anti-doping, por mais que possamos subscrever os seus ímpetos nacionalistas contra os romanos? E, em vez de nos preocuparmos a sinalizar a mãe do Obelix, junto duma comissão de proteção de crianças em perigo (porque se ela não fosse distraída ele não teria caído na poção...) não devíamos recomendar que as mães negligentes ganhavam se fossem devolvidas ao “bom caminho” com umas gotinhas... de poção? Quer, então, isso dizer que termos a cabeça na lua e os pés na terra deixou de ser um “equipamento premium” que torna cada um de nós mais sensato e mais humilde porque, afinal, nunca se chega à atenção sem a dúvida e sem a ajuda das pessoas?

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7227-a-pocao-magica

publicado por salinhadossonhos às 17:31
Terça-feira, 10 / 02 / 15

Falta muito p’ra chegar?...

Escrito por Eduardo Sá Quinta, 16 Outubro 2014

 A escola faz mal às crianças quando permite que os jardins de infância sejam pré-escola. Crónica de Eduardo Sá.

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A escola faz mal às crianças... se ela for uma “linha de montagem” de “produtos normalizados”; à margem da imaginação, da criatividade e, sobretudo, da singularidade.

A escola faz mal às crianças quando se chama a um berçário uma... escolinha e se imagina que a “vida escolar” comece aí. E se permite (sem nada se fazer para o alterar) que, desde muito cedo, haja crianças confiadas a berçários. Por causa dos técnicos que lá estão? De modo algum! Porque as crianças são obrigadas a ter ritmos e rotinas muito pouco personalizados. Se ligar a biologia nervosa, as incidências da sua história de vida e os ritmos dos pais já não é fácil, imaginando que eles sejam capazes de se descentrar de si próprios, ligar tudo isto com uma uniformidade dos ritmos da maioria dos berçários (com tempos idênticos para as crianças se alimentarem, para dormirem ou para serem estimulados) faz mal aos bebés. Num país amigo das crianças, e considerando o bem precioso que representam, só se devia entrar numa... escolinha dos dois para os três anos. Até lá, seja a mãe ou o pai − com possibilidade de terem licenças de parentalidade mais alargadas ou trabalho em tempo parcial − sejam os avós (mesmo que, para tanto, sejam apoiados pela segurança social), seja uma ama (de preferência, em casa dos pais), tudo é melhor para a saúde do bebé. Passar dias e dias deitado, olhando para o ar − na verdade, olhando para o mesmo mobile que dá voltas e voltas diante do seu nariz − torna cada bebé um bocadinho mais estúpido do que quando lá entrou.

A escola faz mal às crianças quando permite que se distinga, todos os dias, a educação infantil do ensino obrigatório, e se permite que os jardins de infância não sejam, tendencialmemte, gratuitos e para todos os meninos. Mas faz, ainda, pior quando permite que haja infantários da rede pública, que funcionem, há anos a fio, em contentores, e infantários, muito exclusivos, onde estão oito, dez ou 12 crianças, no total, e onde os pais, privando-os do bem precioso da vida (na sua generosidade inclusiva), pagam 1500, 2000 e 2500€ por mês por uma exclusividade que debilita o crescimento e as crianças.

A escola faz mal às crianças quando permite que os jardins de infância sejam pré-escola. É por isso que eu acho que devia ser proibido ensinar a ler e a escrever no jardim de infância! Mas, então, para que é que serve um jardim de infância? Serve para as crianças se socializarem. E serve para alimentarem a surpresa de transformar uma educadora numa... quase-mãe.

Serve para alimentar a educação física como se fosse uma escadinha: indo da tonicidade ao equilíbrio, e daí ao movimento, à coordenação motora, ao ritmo, à expressividade, ao brincar, ao jogo e, naturalmente, à relação. Tudo isso ajuda a perceber que todos os meninos ensinados a domesticar o corpo não sabem pensar e vivem fugindo... da vida.

O jardim de infância serve, também − tenho-o dito − para a educação visual. Ajuda a distinguir olhar e ver; ajuda a ir do garatujo ao rabisco e do rabisco ao traço; ajuda a ir do corpo (com que se desenha e com que se pinta) ao pensamento (e vice-versa); ajuda a ir do sentir ao representar; e ajuda a criar imagens e símbolos (para que sejam desconstruídos, a seguir). O jardim de infância ajuda a perceber que quem não sabe desenhar não sabe escrever!

O jardim de infância serve, também, para a educação musical. Para ir do som à harmonia dos sons e, com isso, para ir da sensibilidade à expressão musical e dela aos sons com forma (que são as letras) e aos sons com legendas que são as palavras. A música é a única Torre de Babel do mundo: sem a música as crianças tornam-se menos aptas para a língua materna. E sem língua materna, versátil e expressiva, nunca organizam um ritmo do género “sente, discorre e faz” sem o qual o pensamento deixa de pensar sobre si e sobre o mundo. E adoece!

O jardim de infância serve para brincar. Porque quem não brinca fica fechado (e desconfiado) no seu mundo e, em vez de ficar amigo da diferença (sem a qual nunca se cresce) fica xenófobo e arrogante, mais agarrado ao passado do que amigo do futuro.

O jardim de infância serve para escutar histórias e para as reproduzir; e para as reconstruir; e para as dramatizar; e para fazer com que elas ganhem vida em nós e, assim, servem para ir do drama à sátira ou à comédia mas, sobretudo, servem para ir da intriga à surpresa, à empatia, à comunhão e ao entusiasmo.

O jardim de infância serve, ainda, para conversar. É por isso que as crianças − todas as crianças (!) − para serem saudáveis, têm de ser ruidosas na sala de aula e têm, de fazer uma algazarra, no recreio. E têm de chocar umas com as outras, têm de se sujar, e de transpirar, com abundância. Escolas com poucos recreios ou com maus recreios são escolas com necessidades educativas especiais e são escolas amigas do insucesso escolar!!! Do mesmo modo, todas as escolas, seja qual for o grau de ensino, que não tenham um quadro de honra para os alunos faladores, não são uma escola: são um lugar onde se transformam crianças saudáveis em pessoas sonsas e insossas.

Estamos a passar, como reparam, do jardim de infância ao ensino básico... Mas se é básico é porque com ele se aprofundam as bases do conhecimento. Então, se olharmos com atenção, temos razão para dizer que...

A escola faz mal às crianças quando as deixa ter aulas ou de manhã ou de tarde. Todos somos mais inteligentes de manhã. Porque somos animais sensíveis à luz... É por isso que as aulas de tarde incentivam o insucesso escolar. E faz mal quando se deixa que o dia escolar comece com a educação física, por exemplo, e termine, já com os crianças fisicamente cansadas, com o português. Isto é: uma parte da distração dos alunos resulta da forma, muitas vezes sem sentido, como se organiza um dia de aulas.

A escola faz mal às crianças quando elas estão tempo de mais na escola, com aulas expositivas que nunca mais acabam, e com recreios “supersónicos” de dez minutos. Mais tempo de escola tem-se traduzido em melhores resultados escolares? Não!!! Veja-se, por exemplo, os mais diversos exames nacionais. Mas, então, são os alunos que não prestam, são os professores que os atropelam, são os pais que os infernizam ou é o sistema que ignora a sua sabedoria, que insiste em não perceber como eles pensam e insiste em premiar, unicamente, aqueles que reproduzem e que repetem (isto é, os “macacos de imitação”)? Menos escola será pior escola? Não! Eu não acho que as crianças não devam trabalhar! Acho, isso sim, que brincar rima com aprender e não é por se trabalhar mais horas que se aprende melhor. Aliás: acho que estamos a pôr todas as “fichas” do crescimento das crianças na escola, dando-lhe mais importância do que ela merece: a família é mais importante que a escola e brincar é tão importante como aprender. Escola e mais escola, sem família e sem brincar, é imaginar um crescimento onde a escola não dá vida mas dá, antes... “vistos gold” (com as consequências que todos conhecemos noutras áreas...). Atenção: estamos a transformar as crianças em burocratas de mochila; e isso é mau! Porque as tomamos como se, com isso, elas não fossem capazes de compatibilizar a vida familiar com o trabalho, a vida social com o desporto e com os amigos, os seus amores, com os sonhos e com o futuro. Ora, se elas não têm uma vida plural nos seus desafios, estamos a criar crianças... frágeis! Dar demasiada importância à escola é imaginar que a vida só se aprende nos livros, e que a “escola da vida” (que acarinha os erros e os enganos) não é a fonte de sabedoria que, de facto, ela é! Mais ainda: é esquecer que os avós sabem sempre mais que os livros; que os pais nunca têm todas as soluções mas encontram respostas únicas e engenhosas; que os professores se tornam desafiantes não tanto quando fornecem as soluções mas sempre que, de olhar matreiro, põem problemas; e que os amigos e os recreios são, eles próprios... uma “escola”! Escola são os avós, os pais, os professores, os amigos, os livros, as aulas e a vida todos misturados e todos diferentes.

Mas a escola faz mal às crianças quando imagina que elas tenham de fazer parte dum mesmo grupo de meninos entre o jardim de infância e o 9º ano de escolaridade, pelo menos. Ao contrário disso, eu acho que as crianças não são de porcelana: ao fim de um ano letivo, cada grupo deve baralhar-se, dividir-se em quatro e “voltar-se a dar”, com outro professor (ou, de preferência, com outro par educativo). Um sistema educativo assustado com a mudança não é amigo da escola nem da vida: transforma meninos saudáveis em crianças “imunodeprimidas”: intolerantes à frustração, desconfiadas diante da diferença e debilitadas diante do amor pela vida.

A escola faz mal às crianças quando as poupa à crítica e não as corrige, ao mesmo tempo que as escuta. Mas porque é que dizer a uma criança que fez mal se tornou um pecado? Ou que se enganou ou que pode ser melhor, que pode ser mais afoita, mais acutilante, mais educada ou mais arrojada? Mas quem é que inventou que isso as traumatiza?... O traumatismo são ressentimentos que se guardam; nunca dores que se partilham! Ainda assim, a escola faz mal quando só as reprova a elas, sempre que as crianças têm desempenhos negativos. E quando não questiona os pais e os professores que necessitam de planos educativos individuais; as escolas com défices de atenção, onde elas estão; as direções de escola hiperativas (com as quais têm de conviver todos os dias); e um ministério com (muitíssimas!) necessidades educativas especiais mas que, contra todas as evidências, tem de si a ideia dum sobredotado.

A escola faz mal quando distingue ensino regular e ensino especial, imaginando que umas são crianças de primeira e as outras têm necessidades educativas especiais. Todas as crianças têm sempre uma ou outra necessidade educativa especial e, todas elas, ganhavam se tivessem planos educativos individuais!! Mesmo as crianças certinhas? Sobretudo essas, tão queridas da escola. Na verdade, são certinhas porque são tristonhas. Já não falando das crianças exemplares que só o são porque têm pais autoritários, hostis ou, até, tirânicos. Fazer, no entanto, da educação especial uma espécie de enclave dedicado a crianças, supostamente, “atrasadas mentais” é que não! Em vez de tornar a escola inclusiva, exclui, etiqueta e descrimina!

A escola faz mal às crianças quando se preocupa a identificar autismos, dislexias, défices de atenção, síndromes de Asperger ou hiperatividades em vez de perguntar porquê! Por que é que uma sociedade que diz de si própria ser amiga do conhecimento faz com que, mal chegam às aulas, permite que as crianças, os pais e a escola, ela própria, deixem de perguntar: “porquê?... Porque é que mal as crianças têm um insucesso há sempre dois “porquês oficiais”: ou os pais discutem e estão a divorciar-se ou elas têm um defeito de fabrico?.... Então, e o modo como a escola está organizada, não é importante? E a forma como um professor (ou outro) estão de “candeias às avessas” com o ensino, não interfere na aprendizagem? Não é batota supor que os alunos, que lidam com a linguagem matemática de forma excelente (quando jogam num computador, por exemplo) sempre que têm insucesso na matemática, a culpa seja sua e de mais ninguém, nunca se questionando os professores de matemática, os professores que formam os professores de matemática, ou os programas de matemática, a didática e a pedagogia com que se fala de matemática? Uma escola pouco amiga dos porquês não é uma escola: é (desculpem!) uma tecnocracia amiga da estupidez, que pega nas crianças e as transforma em jovens tecnocratas de fraldas; depois, em jovens tecnocratas de mochila; mais tarde, em jovens tecnocratas que, à falta de mundo, se exibem no Facebook; para que, transformando alguns deles em jotas, passados uns anos tenhamos uma classe política que, muitas vezes, compensa com “equivalências”... a falta dum ofício, a falta de sabedoria e a falta de vida que foi tendo.

A escola faz mal às crianças quando permite que algumas escolas privadas sejam batoteiras!! E por mais cristãs que sejam escolham os alunos, à entrada. E sempre que um aluno tem dificuldades o convidem a sair. E logo que ele enviese os rankings o reprovem, para que as médias não se... constipem.

A escola faz mal às crianças quando permite, sem nunca perguntar porquê, que exista uma “epidemia atípica” de explicações. E faz mal quando utiliza a caderneta do aluno para se fazerem queixinhas e se repreenderem os pais. Ou, pior, para que depois de se desculparem do número excessivo de alunos por turma, existirem professores que acabam a passar trabalhos de casa para os pais! Ou, contra a sua vontade e traíndo a sua sensatez, acabam a passar trabalhos de casa em versão XL, simplesmente.

E faz mal, ainda, quando permite que muitos professores de escolas privadas vivam a escola sob coação. E sejam repreendidos quando são justos nas avaliações. E tenham de pôr pó de arroz nas notas porque há um colégio, ali ao lado, onde todas as crianças são, supostamente, sobredotadas. E tenham de as sinalizar, em fevereiro, para o ensino especial, para que não corram o risco de ser repreendidos, pelos seus diretores, se elas tiverem um nível ou outro abaixo da expectativa dos pais, em abril ou em maio. E fazem, ainda, mal sempre que algumas dessas escolas só aceitam ou rapazes ou raparigas, unicamente para que as crianças não se distraiam... (Não se estará, com isso, a sexualizar a vida para além do razoável?...) E outras que não ensinem o português ou a história de Portugal, mesmo que funcionem em Lisboa ou no Porto, porque são internacionais. Mas, afinal, quem pratica mais bullying na escola: os alunos, entre si, ou, sobretudo, quem a devia dirigir e quem se abstém de a regulamentar?

Talvez tenhamos, hoje, as melhores famílias que a humanidade jamais criou, as escolas mais plurais e mais atentas, e a mais fabulosa enciclopédia do mundo (que é a internet)! Mas, por nossa omissão, receio que estejamos a fazer mal ao crescimento das crianças, dos adolescentes e dos jovens. Porque eles foram poupados, felizmente, a condições de vida muito difíceis e foram poupados à morte e ao sofrimento banais. Mas, por isso, é urgente que elas desenvolvam, também, competências para o insucesso.

Para que serve, afinal, a escola? Para dar conhecimento? Não! Para aprender a procurá-lo!! E para acarinhar o erro!!!!!!!!! Serve para informar? Não! Serve deixar que a crianças a recrie e se recreiam com ela; porque quem não recria e não recreia nunca aprende! Serve para perguntar: “Professor, posso pôr uma pergunta?” Não! Porque, ao contrário do que muitos acham, o contraditório não é (nunca é) um delito de opinião. Mas é, simplesmente, o melhor amigo da dúvida com que se rasga mais uma avenida nova no conhecimento!

A escola serve para sentir e para imaginar. Serve para abstrair e sintetizar. Serve para discorrer e para pensar. Serve para educar para a humanidade. E serve, também, para acarinhar os afoitos, os arrojados, os desafiantes, os atrapalhados, os engasgados e os insubmissos. Serve para distinguir os sabidos, dos sabichões e dos sábios. Serve para fazer com que as crianças não sejam nem simplistas nem simplórias mas que percebam que a simplicidade é sempre (e só) uma consequência da sabedoria. A escola serve, finalmente, para preservar as qualidades com as quais as crianças lá chegam: serve para as manter tagarelas, serve para as proibir de brincar com iPads, enquanto elas não descobrirem os intestinos das coisas e enquanto não se sujarem. Serve para manterem a cabeça no ar (enquanto põem os pés na terra). Serve para usarem o nervoso miudinho com que alimenta o bicho carpinteiro com que se experimenta sempre que se aprende. E serve para perguntar porquê.

A escola serve para nos pôr problemas: nunca para os resolver. E é aqui que eu acho que passamos o tempo a dizer aos nossos filhos que a vida é fácil e, mais tarde ou mais cedo, eles sentem que foram enganados. As escolhas fáceis são o caminho mais curto para ficarmos burros mais depressa! Porque a vida é resolver problemas e, de complexidade em complexidade, à medida que os transformamos em sabedoria, nos tornarmos mais simples.

 

A escola é uma fábrica de sonhos. Mas serve, sobretudo, para não aceitarmos o sonho como um papel de parede. O sonho é, antes de tudo, uma janela que se insinua onde, antes, estaria, unicamente, uma parede. Peço, por isso, a todos os educadores e a todos os professores − porque talvez tenham a profissão mais próxima que existe da magia − que derrubem paredes, que tracem janelas mas (mesmo que vos desconsiderem, muitas vezes) peço-vos que sonhem! Porque é, sobretudo, com os vossos sonhos que um pouco mais de luz chega, todos os dias, a todas as crianças! E é com eles que todas elas ligam desassossego e confiança e, no seu faustoso fervilhar, ao mesmo tempo que pulam e avançam, vos perguntam uma e outra, e mais outra vez: falta muito p’ra chegar?...

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/eduardo-sa/7442-falta-muito-pra-chegar

publicado por salinhadossonhos às 17:32

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